O recordista mundial da maratona Kelvin Kiptum faleceu tragicamente num acidente de viação ao lado do seu técnico Gervais Hakizimana na noite de domingo.
Os dois, que se tornaram amigos íntimos quando o atual recordista mundial da maratona ainda era criança, formaram um forte vínculo que só foi separado pela morte.
Embora o falecimento de Kiptum tenha dominado as notícias, pouco se falou sobre o homem que esteve por trás da sua meteórica ascensão.
Gervais Hakizimana, ex-atleta de 37 anos, nasceu no Ruanda e também se especializou em provas de fundo como Kiptum.
Ele é o recordista nacional do Ruanda nos 3.000 m obstáculos e venceu várias provas na França, entre elas a Lons-Le-Saunier de 10 km em 2010 e o Pezenas National Meet em 2012.
Ele obteve o segundo lugar no Campeonato Francês de Clubes de Francoville de 2010 e na Meia Maratona de Beauvais, quatro anos depois. Ele também disputou a Maratona de Londres de 2016, então vencida por Eliud Kiochoge, mas não a terminou devido a uma lesão que mais tarde o forçaria a retirar-se da alta competição.
“Em 2015, eu já estava a lutar contra as lesões. Eu costumava ir muito para a França, onde a única coisa que fazia era correr para manter a forma. Nessa altura, ele (Kiptum) também tinha começado a treinar e procurava os meus conselhos sobre como se tornar um melhor atleta. Foi ao mesmo tempo quando eu também treinava alguns atletas ruandeses em França”, disse no ano passado, Hakizimana à Capital.
Hakizimana veio pela primeira vez ao Quénia em 2006, quando tinha 18 anos, para treinar para o Mundial de Corta-Mato de 2007, realizado em Mombaça. Fugiu do país no auge da violência pós-eleitoral de 2007 e regressou a França. Regressou ao Quénia alguns anos mais tarde.
Durante a sua segunda passagem pelo Quénia, Hakizimana estava a treinar em Chepkorio, perto da casa de Kiptum e encontrava frequentemente o jovem a pastorear o gado do seu pai e as suas constantes interações, deixavam o menino intrigado.
“Durante a pandemia do covid-19, fiquei preso aqui no Quénia e não pude voltar para França. Acontece que ele competiu em duas meias maratonas num espaço de dez dias e teve um desempenho muito bom. Foi quando percebi que ele tinha muito potencial. A partir daí, tornei-me oficialmente seu treinador”, revelou ainda Hakizimana.
A partir daí, firmaram uma parceria que foi além do atletismo. A estreia internacional de Kiptum foi em 2019 na Meia Maratona de Lisboa, onde obteve um excelente quinto lugar com o tempo de 59m54s.
Depois em 2020, Kiptum estabeleceu na Meia Maratona de Valência, um recorde pessoal de 58m42s, baixando consistentemente a barreira dos 60 minutos nas provas que disputou entre 2019 e 2021.
Estas foram as conquistas que alimentaram o desejo dos dois homens de ir mais longe e em 2022, Kiptum fez a sua estreia numa maratona em Valência, onde fez história ao marcar 2h01m53s, a estreia mais rápida de sempre numa maratona.
Em abril do ano passado, ele venceu em Londres com incríveis 2h01m25s, então o segundo tempo mais rápido de sempre, antes de bater o recorde mundial de Kipchoge com 2h00m35s em Chicago, em outubro passado.
“Na nossa cultura Kalenjin, é errado mandar fora o prato que nos alimentou. Estou feliz que o meu filho tenha permanecido com o seu treinador, mesmo quando está a ter sucesso. Ele (Hakizimana) tem sido como um pai para ele durante toda esta jornada”, disse o pai de Kiptum, Samson Cheruiyot, sobre o relacionamento entre os dois homens.
Os dois planeavam fazer mais história este ano, depois de Kiptum ter prometido ser o primeiro homem a correr uma maratona oficial com menos de duas horas, em Roterdão, em abril, antes dos JO de Paris.