Quatro atletas portuguesas estiveram em grande destaque no Mundial disputado em Gotemburgo de 1995. Faz agora 25 anos que Manuela Machado, Fernanda Ribeiro e Carla Sacramento conquistaram duas medalhas de ouro, uma de prata e uma de bronze.
No dia 11 de Agosto, Fernanda Ribeiro já depois da medalha de ouro nos 10.000 m, ganhou uma de prata nos 5.000 metros. Como recordar é viver, reproduzimos o texto da última medalha conquistada por Portugal em Gotemburgo, então publicado na edição de Setembro pela Revista Atletismo.
PRATA DEPOIS DE OURO COM 30 KM NAS PERNAS
Uma “loucura” assumida por João Campos e Fernanda Ribeiro, que nem o etíope Gebreslassie (autor de igual proeza há dois anos) ousou repetir agora.
As eliminatórias dos 5.000 metros femininos realizaram-se na manhã seguinte à final de 10.000 metros. Fernanda Ribeiro quase não teve tempo de recuperar dos festejos do título. Ela e o seu técnico João Campos hesitaram até à última, mas a vontade de uma “dupla” inédita era superior ao cansaço e às dores no tendão. E avançaram. Dois dias depois, ela juntava a prata da légua ao ouro da dupla-légua. Só a irlandesa Sonia O’Sullivan lhe levou a melhor.
As eliminatórias, realizadas apenas em 13 horas e meia depois da final dos 10.000 metros, acabaram por nem ser difíceis. Aos três quilómetros, Fernanda Ribeiro foi para o comando impor um andamento mais duro para “limpar” o pelotão. Ficaram quatro na frente, aquelas que seriam apuradas para a final. Depois, foi só “deixar ir”.
Até à final, mediaram dois dias e meio. Insuficientes para uma recuperação plena. Mas suficientes para deixarem uma esperança de medalha. A partida foi demasiado rápida para os desejos de Fernanda Ribeiro. Mas ao fim de um primeiro quilómetro fora das previsões (2.51,95), tudo acalmou. A atleta portuguesa colocou-se bem no pelotão e assistiu à seleção natural das concorrentes. Aos 3.000 metros, eram sete as candidatas. Passa para a frente aos 3.900 metros, faz uma volta em 69,58 (aos 4.400 metros) e “garante” uma medalha (ficam três). Duas das candidatas – a romena Szabo, pagando a fatura de um “louco” quilómetro inicial, e a inglesa Radcliffe, que assumiu depois a liderança, mas em ritmo “normal” – já haviam ficado para trás. E foi a surpreendente marroquina Zohra Ouaziz (a primeira medalha feminina do seu país em meio-fundo) quem mais tempo aguentou as duas primeiras. Não conseguindo livrar-se de O’Sullivan antes da última volta, só muito dificilmente Fernanda Ribeiro conseguiria a vitória frente à rápida irlandesa, com menos 20 km nas pernas naquela “louca” semana. E a 200 metros da meta, o destino da prova estava traçado: ouro para a irlandesa, campeã mundial; prata para Fernanda Ribeiro, recordista mundial. Fica por saber ao certo, qual a melhor corredora mundial da distância…
Ana Dias bem, Marina mal
As duas outras portuguesas ficaram afastadas da final. Sem grande surpresa, embora de Marina Bastos se esperasse bastante melhor. Correndo na primeira série, andou inicialmente a meio do (lento) pelotão (3.06,45 e 6.16,13) mas aos 3.000 metros (9.28,47) já seguia atrasada, depois de se deixar cair na cauda do pelotão. Daí até final, “arrastou-se” na pista, acabando por, inexplicavelmente (até para ela), fazer quase um minuto mais que poucos dias antes no Meeting de Oslo.
Já Ana Dias correu com bem maior determinação. Apesar do andamento ter sido mais rápido (3.01,88 e 6.09,34), aguentou quando pôde no grupo da frente e quando se atrasou (9.14,99 aos 3.000 m) nunca perdeu muito terreno. No final, gastou 15.29,32, melhorando em cerca de dez segundos o seu recorde pessoal. A sua série foi a mais rápida, repescando as três atletas para a final mas dois lugares e dez segundos à sua frente…
O QUE ELA DISSE
A PROVA
“Custou-me bastante mas pensava que seria pior. Quando vi aquele primeiro quilómetro tão rápido, cheguei a assustar-me mas depois, entrei no ritmo e o mais difícil acabaram por ser os últimos 400 metros”.
“Tinha que ir para a frente para acabar com aquele comboio…”
“Quando cheguei à última volta, vi que muito dificilmente ganharia. Eu sabia que a Sonia é muito rápida”.
E AINDA…
MÉDICOS – “Corri 30 km esta semana em provas. Isso para mim, já é uma maratona… Agradeço ao Departamento Médico da Federação todo o trabalho que teve comigo, de manhã, à tarde e à noite, para me recuperar”
OURO E PRATA – “Claro que ouro é ouro. Mas também estou feliz com a medalha de prata. E dei a volta de honra à mesma…”
RISCO – “Foi um risco muito grande correr as duas provas, mas teve um sabor muito grande… Se falhasse, apagava o brilho da vitória nos 10.000 metros? Talvez mas vocês, jornalistas, é que sabem o que iriam escrever nos jornais…”
MERCEDES – “Se tivesse ganho, teria dado o carro ao meu treinador. Assim, o que posso fazer é deixá-lo dar uma volta no meu…”
JOÃO CAMPOS ANTES E DEPOIS
. Antes da final: “Confesso que ‘dobrar’ 5.000 e 10.000 metros nuns Campeonatos do Mundo tem algo de loucura mas, agora que estamos metidos nela, a Fernanda irá à final dos 5.000 metros para lutar por uma medalha.”
. Depois da final: “Agora, já tenho dúvidas se a Sonia O’Sullivan é mesmo a melhor do mundo em 5.000 metros e se ganharia à Fernanda. Duvido que haja alguém que, depois de tanta prova, ainda faça 14.48 com uma última volta em 63,5 segundos.”
AS DUAS ELIMINADAS
Marina Bastos: “Senti-me sempre muito cansada, não percebo porquê, tanto mais que até passámos bastante lentas. Não encontro justificação, só se for do nervosismo. Com o meu tempo de Oslo, poderia ir à final…”
Ana Dias: “Termino a época em beleza. Bater o recorde pessoal por dez segundos nesta altura, é ótimo, tanto mais que foi a primeira vez que entrei numa competição destas. E o público faz uma barulheira infernal…”
5.000METROS (12-8)
- Sonia o’Sullivan (GBR) 14.46,47
- Fernanda Ribeiro (POR) 14.48,54
- Zohra Ouaziz (MAR) 14.53,77
- Gabriela Szabo (ROM) 14.56,57
- Paula Radcliffe (GBR) 14.57,02
- Maria Pantyukhova (RÚS) 15.01,23
- Rose Cheruiyot (QUÉ) 15.02,45
- Gwen Griffiths (AFS) 15.08,05
- Sara Wedlund (SUÉ) 15.08,36
- Elena Fidatov (ROM) 15.12,58
- Sally Barsosio (QUÉ) 15.39,57
- Michiko Shimizu (JAP) 15.45,30
- Chepkemoi Barsosio (QUÉ) 15.56,96
Gina Procaccio (EUA) desistiu
Olga Churbanova (RÚS) desistiu
Primeira dupla medalha em meio-fundo feminino
FERNANDA IGUALA HAILE GEBRESELASSIE
Fernanda Ribeiro tornou-se a primeira mulher a ganhar duas medalhas num mesmo campeonato no meio-fundo (3.000/10.000 m ou 5.000/10.000 m) igualando a proeza do etíope Haile Gebreselassie, que em 1993 também conquistou uma medalha de ouro nos 10.000 metros e uma de prata nos 5.000 metros. Antes dele, em Mundiais, a única “dupla” nestas distâncias pertencia a Werner Schildhauer (RDA) mas “apenas” com duas medalhas de prata em 1983.
A prova de 10.000 metros femininos passou a integrar o programa de competições em 1987 (Mundiais de Roma) e 1988 (Jogos de Seoul) e desde então, nenhuma mulher conseguira ainda ganhar medalhas em 3.000 e 10.000 metros no mesmo ano. Esta época, os 5.000 metros substituíram os 3.000 metros e Fernanda Ribeiro tornou-se a primeira a “bisar”.
Jogos Olímpicos
Nos Jogos Olímpicos e no setor masculino é que os exemplos de duplas medalhas são bastantes… mas apenas até 1980. Nos últimos anos, a competitividade aumentou e os atletas passaram, quase sempre, a optar por uma só prova, até porque as eliminatórias se tornaram mais exigentes. Mas vejamos a galeria dos “notáveis” a que Fernanda Ribeiro passou a pertencer também:
Duas medalhas de ouro:
1912 – Hannes Kolehmainen (Finlândia)
1952 – Emil Zatopek (Checoslováquia)
1956 – Vladimir Kuts (U. Soviética)
1972 – Lasse Viren (Finlândia)
1976 – Lasse Viren (Finlândia)
1980 – Mirus Yfter (Etiópia)
Com ouro nos 5.000 m e prata nos 10.000 m:
1920 – Joseph Guillemot (França)
1928 – Ville Ritola (Finlândia)
Com ouro nos 10.000 m e prata nos 5.000 m:
1920 – Paavo Nurmi (Finlândia)
1924 – Ville Ritola (Finlândia)
1928 – Paavo Nurmi (Finlândia)
1948 – Emil Zatopek (Checoslováquia)