Viagens para disputar maratonas, tecnologia para medir o rendimento, nutrição especial… As empresas aproveitam o êxito do ‘running’
O jornal espanhol “El País” publicou recentemente um interessante artigo sobre o negócio das corridas. Dado o seu interesse e alguma semelhança com a nossa realidade, publicamo-lo seguidamente.
Teresa Prior, espanhola de 47 anos, caiu há oito anos no mundo da corrida. Em 2009, o seu marido deu-lhe um medidor de batimentos cardíacos e um par de ténis como presente de aniversário. Desde então, ela é uma corredora popular. Um ano depois de calçar os ténis, Teresa passou a ser uma habituée nas corridas populares de Maiorca. “O que começou como um hobby pela saúde transformou-se numa espécie de forma de vida”, explica a técnica em segurança do trabalho.
É em princípio, o desporto mais simples e barato que há: sair para correr nas ruas ou nos campos, não requer um grande investimento em equipamentos especiais nem o pagamento de uma mensalidade. Em Espanha, 23% da população corre ao menos uma vez por semana. O sucesso dessa atividade é comprovado por exemplo, pelas grandes maratonas, como as de Valência, Sevilha e Barcelona. O calendário oficial dos corredores inclui 4.000 eventos importantes em toda a Espanha. E com a popularidade, chegou o grande negócio: o furor foi acolhido com entusiasmo pelas grandes marcas de roupas desportivas. E o filão não acaba aí. Cada vez mais, outros setores, como o turismo, a alimentação e a tecnologia, procuram a sua fatia do bolo.
A febre das corridas serve para promover municípios. Provas desse tipo não são difíceis de organizar e não exigem grandes infraestruturas. Todas as grandes cidades precisam de ter uma maratona. Os participantes percorrem as ruas, e as fotos aéreas mostram a melhor cara dos monumentos. Tamanha é a febre das corridas urbanas que até a Coreia do Norte aderiu: Pyongyang tem uma maratona anual. “É a sua oportunidade de percorrer as ruas com centenas de visitantes e locais. A corrida mais importante da sua vida”, diz a propaganda feita na Internet pela agência autorizada Koryo Tours, responsável pela organização.
Só nos Estados Unidos, o running faturou o equivalente a 2,7 milhões de dólares no ano passado. “Costumo comprar quatro pares de ténis por ano. Não é que eu seja muito perdulária, mas custam 100 euros cada par”, justifica Teresa, que já perdeu a conta ao número de corridas em que participou em Espanha e no resto da Europa. “Só em 2016, corri 37”, diz. Além disso, ela gasta milhares de euros em viagens, inscrições e material desportivo. “Estou consciente de que é muito dinheiro, mas invisto em saúde, felicidade e muitas amizades”, acrescenta.
O site de comparação de preços Idealo calcula que um corredor espanhol iniciado precise desembolsar o equivalente a cerca de 130 euros para adquirir um equipamento básico, que constaria de uns ténis de corrida, calções e uma t-shirt adequada.
Para ter um equipamento profissional completo, um runner precisaria de investir o equivalente a 1.200 euros, incluindo por exemplo uma lanterna frontal para corridas noturnas e um GPSpara monitorar os percursos. E, a tudo isto, somam-se cada vez mais aplicativos pagos com treinadores virtuais, produtos de alimentação especializada (bebidas isotónicas, barras energéticas, fórmulas para recuperar depois da corrida) e as visitas ao fisioterapeuta quando os músculos se ressentem.
O crescimento deste desporto também alterou o comércio. Na loja de referência da Nike no Passeig de Gràcia (Barcelona), por exemplo, as camisolas das equipas de futebol perderam espaço nas estantes para produtos exclusivamente destinados a corredores. Mas nem todos os negócios tiveram a mesma sorte. “As vendas pela internet e a inauguração de grandes lojas de marca a preços muito competitivos obrigou-nos a deixarmos de ser uma loja especializada para nos tornarmos um clube de treino”, diz Karim Portzgen, diretor da Prorruner. A evolução da empresa, segundo o executivo, “atropelou” as pequenas lojas especializadas.
“Continuará havendo um crescimento na prática desportiva e especialmente no running, porque continua em ascensão a preocupação com uma vida mais saudável”, defende Alex Rivera, gerente do fórum setorial da indústria do desporto na Catalunha, o Indescat. A Universidade Pompeu Fabra realizou jornadas de discussões sobre esses negócios paralelos. A lista não é muito longa, mas tem uma ampla margem de desenvolvimento: aplicativos para telemóveis, modelos turísticos diferenciados, wearables…
Um negócio internacional
“O cliente já está aí, agora é preciso vender-lhe o complemento”, diz Rivera. Praticamente todo o território espanhol pode servir como pista para a prática de todas as modalidades de running, e o Indescat certifica o interesse também por parte do corredor estrangeiro. Um dado: quase 50% dos participantes da maratona de Barcelona, disputada em Março, eram de fora da Espanha.
Jonathan Florido é o criador do Runnerbox, uma start.up de “caixas de experiências” focada exclusivamente nos aficionados da corrida. O produto inclui a inscrição em alguma das maratonas e, se houver interesse, a hospedagem. O presente custa a partir de 15 euros. “Começamos perguntando-nos o que daríamos de presente a alguém que goste de correr”, relata Florido. O sucesso do seu nicho de mercado levou-o a sofisticar o produto, e ele já oferece também planos para casais. “Os produtos sob medida têm um grande potencial, e também há um potencial nos produtos de elite, nas experiências exclusivas. Temos gente que não gosta de correr com outras pessoas e paga por isso”, diz Rivera.
O profissionalismo com que um crescente número de corredores encara as maratonas também é uma oportunidade de negócio. Um exemplo é a ChampionChip, que começou a sua caminhada em 2000. Mais de 40.000 pessoas na Espanha têm o chip amarelo dessa empresa de cronometragem de eventos desportivos, que faturou quase 700.000 euros no ano passado. O dispositivo, que permite medir exatamente o desempenho, tornou-se mais um objeto obrigatório.
Embora o boom das corridas, se note no aumento da participação nas corridas e na faturação de vários negócios, nem todas as empresas estão empolgadas com a expansão maciça. Um gestor de uma rede de lojas especializada em running diz que a maioria dos novos corredores só entra nessa “pela moda” e depois abandona o hábito. “Preferimos menos corredores de qualidade a muitos que parem ao fim de um ou dois anos; ser corredor não é meter um ténis e sair para passear um dia por semana”, acrescenta.