Sandra Teixeira é um caso raro de longevidade. Tem uma grande paixão pelo atletismo e aos 40 anos, ainda faz pista, corta-mato e estrada e com resultados apreciáveis. Ao contrário do que sucede com muitos atletas de alta competição, soube prevenir o seu futuro ao licenciar-se em Educação Física.
Sandra Teixeira foi “apenas” a melhor atleta portuguesa nos 800 metros durante década e meia, desde finais dos anos 90, em parceria com Maria do Carmo Tavares (entre 2005 e 2008) e Marta Pen (em 2012). E aos 40 anos de idade, ainda foi decisiva no triunfo do Sporting no Campeonato Nacional de Corta-Mato ao ser a quarta atleta do clube a cortar a meta.
O desporto sempre fez parte da sua vida. Jogou andebol e futebol até que em 1994, um amigo a levou a uma corrida em Queluz. Ganhou-a com 500 metros de vantagem e Pedro Gomes, que seria o seu primeiro treinador, viu a prova e levou-a para o Linda-a-Pastora SC, onde esteve até 1997. “Foi uma surpresa ter ganho aquela prova com tanto avanço!”.
Um ano depois, sagrou-se campeã nacional juvenil de 400 m, venceu os 800 m do Olímpico Jovem e foi às Jornadas Olímpicas da Juventude Europeia. Decidiu-se então em definitivo pelo atletismo.
Em 1998, ingressou no Sporting, ganhando o seu primeiro título nacional absoluto e estreando-se na seleção nacional.
Mais tarde e na sequência de numerosas provas de corta-mato e estrada que realizava no Inverno, Sandra Teixeira tentou distâncias maiores na pista. Correu os 1.500 m em 4.10,28 em 2005 e quase baixou dos 10 minutos nos 3.000 m obstáculos (10.00,69 em 2008).
Depois de ter sido mãe, os horários mudaram completamente. Mas a minha paixão por correr é muito grande!”
Da pista para a estrada
Sandra treina todos os dias, sempre acompanhada. Armando Aldegalega é o seu treinador, após Bernardo Manuel ter ido para Angola. Dona de inúmeras atividades, não lhe é fácil conciliar a sua vida familiar e profissional com o atletismo. É guarda prisional na área do desporto e ainda coordenadora do Programa Marcha e Corrida no Jamor.
“É preciso muita disciplina, muito rigor a nível dos horários. Depois de ter sido mãe, os horários mudaram completamente. Mas a minha paixão por correr é muito grande!”.
Como a pista continua a ser prioritária, os seus treinos variam de acordo com a época de pista. Para Sandra, foi fácil a transição das distâncias curtas da pista para a estrada. “Sempre fui uma atleta de corrida contínua, mesmo nos estágios”. Quando chegou o momento de deixar as distâncias curtas, não optou pelos 5.000 e 10.000 metros. “São distâncias que não me cativam, são muitas voltas à pista. É mais psicológico que físico”.
Diferenças da pista e estrada
Na opinião de Sandra, a grande diferença entre as provas de pista e estrada passa pelo público. “Sou rapariga do mundo, gosto de estar rodeada de gente, de conviver. Na pista, só temos os atletas, alguns familiares e pouco mais. Procuramos a melhoria dos tempos enquanto na estrada, a competição é diferente, não é tão rígida. Gosto de sentir o apoio e o carinho das pessoas. Desfruto do atletismo de uma forma mais saudável”.
Lembrou-nos ainda a sensação que teve quando participou no Mundial de Pista Coberta disputado em Lisboa. “Foi um choque quando entrei na pista e vi as bancadas cheias de público… felizmente eu consegui ultrapassar aquele impacto, tão habituada em ver as bancadas vazias”.
Alta competição até 2020
Os seus objetivos passam por manter-se na alta competição até 2020, correndo depois numa vertente mais amadora. “Penso correr enquanto puder, enquanto as pernas deixarem”.
São muitos os atletas que se desligam da modalidade quando deixam a alta competição. “É muito desgastante, não vivemos o atletismo. Vivemos para os resultados pessoais, marcas, temos lesões. Quando um atleta de alta competição acaba e olha para trás, diz não querer mais nada. Eu não, sempre conciliei as duas coisas, pista e estrada, é mais fácil. O atletismo trouxe muita coisa boa para a minha vida”.
Duas famílias: a de casa e a do atletismo
No mundo das corridas, aprecia particularmente a família atletismo. “Tenho uma família em casa e outra no atletismo. Naide Gomes é a minha melhor amiga no atletismo, quando saíamos em competição, ficávamos sempre juntas”.
Se não estivesse no atletismo, ter-se-ia dedicado muito possivelmente ao futebol ou ao andebol, as suas modalidades iniciais até ter sido descoberta para o atletismo.
A Corrida do Tejo é a sua prova preferida, onde já colecionou cinco vitórias. Já a prova que menos lhe agradou foi uma disputada em Aljustrel. “O percurso tinha muitas subidas, até uma grande escadaria”.
A sua distância preferida é ainda os 800 metros. “Ainda no último Campeonato Nacional, fiz a prova em 2m18s, nunca pensei fazer esse tempo”.
A maratona não faz parte dos seus projetos. “Acho que não sou atleta de longas distâncias, faço até meia-maratona mas custa-me imenso”.
Ainda não experimentou o trail mas diz-nos que é uma hipótese a ponderar. “Se fizer, será numa fase mais avançada”.
“Não realizei o sonho de ir a uns Jogos Olímpicos como atleta, pode ser que vá como treinadora”
Correr grávida até aos 9 meses!
Não dispensa os exames médicos de rotina e quanto a lesões, tem sido muito pouco visitada por elas. Tem os devidos cuidados com a alimentação. “Criamos o hábito de comer como deve ser e nunca mais o perdemos. São 24 anos de alta competição!”.
Quando engravidou, correu até aos nove meses! “Costumo dizer que o meu filho foi campeão nacional de corta-mato curto aos três meses de gravidez. E ainda venceu a Mini da Ponte 25 de Abril. Antes de nascer, já tinha duas medalhas!”.
Depois de ter tido o bebé, já treinava ao fim de 25 dias. Fez a primeira prova na Meia Maratona dos Descobrimentos, dois meses depois de ter sido mãe. Resta dizer que o seu filho David, agora com três anos, adora correr. Filho de peixe sabe nadar.
As presas dizem que sou uma guarda especial. Vibram comigo as minhas vitórias. Ficam-me no coração, fazem parte da minha vida”
Momentos mais marcantes
Várias vezes internacional, Sandra recorda como momentos mais marcantes o segundo lugar numa das edições da Taça da Europa e a medalha de bronze conquistada nos Campeonatos Ibero-Americanos em 2004. E apesar de não ter atingido o objetivo, lembra a tentativa em obter os mínimos aos 800 metros para os Jogos Olímpicos de Pequim 2008, ficando a escassos 30 centésimos.
Futuro da modalidade pouco risonho
Sandra não encara o futuro da modalidade com grande otimismo. “Vejo o futuro não muito risonho, se não houver alteração da mentalidade dos nossos jovens. Tem de haver mudança nos apoios e chegar aos jovens com objetivos concretos. Eles têm tudo, são muito sedentários! Não existe nos jovens a paixão que move os atletas de alta competição”.
Melhoria na organização das corridas populares
Na sua opinião, havia uma grande desorganização nas partidas das provas. “Melhorou-se muito com a criação dos blocos de partida”. Chama a atenção para o pouco cuidado que há da parte de algumas Organizações com os abastecimentos nesta época do ano. “Com o calor, deixam as águas 3/4 horas antes da prova e às vezes ao sol”.
“Felizmente, tive sempre pessoas fantásticas que estiveram ao meu lado desportivo e humano”
Projetos futuros
Ser treinadora é o seu grande objetivo. Neste momento, já treina a Olga Serbyn e a Daniela Gordino (800 e 1.500 m) e o Hugo Veríssimo (400 e 800 m). “Não realizei o sonho de ir a uns Jogos Olímpicos como atleta, pode ser que vá como treinadora”.
Relação especial com as mulheres presas
E como vêem as mulheres presas a guarda prisional/atleta Sandra Teixeira? É com entusiasmo que Sandra fala delas. “Vêem-me de uma forma fantástica. Elas dizem que sou uma guarda especial. Vejo-as como pessoas normais que cometeram um erro na sua vida. Vibram comigo as minhas vitórias. Ficam-me no coração, fazem parte da minha vida”.
Dona de um rico curriculum desportivo
Sandra tem um rico curriculum desportivo. Foi 22 vezes internacional na pista, tendo participado em Campeonatos da Europa, Universíadas, Campeonatos Ibero-Americanos, Taças da Europa/Europeu de Seleções, Campeonato da Europa de Sub’23 e num Festival Olímpico da Juventude Europeia.
Em pista coberta, esteve em 4 Campeonatos do Mundo e 3 da Europa, num Torneio das 6 Nações e em 2 Portugal/Espanha.
Soma 15 títulos nacionais absolutos em pista ao ar livre nos 400 m, 800 m, 1.500 m e 4×400 m. Na pista coberta, tem 11 títulos nos 800 m, 1.500 m e estafeta 4×400 m. Tem ainda 3 títulos como júnior, 1 como juvenil e 1 no Olímpico Jovem.
“Agradeço o que sou hoje aos meus dois treinadores Pedro Gomes e Bernardo Manuel”
Quando o João Pires fugiu do hospital
Estórias não faltam à nossa entrevistada. A primeira passou-se num meeting disputado na Alemanha. “Treinava com o Bernardo Manuel, sempre treinei com os homens, era a única menina do grupo. Fui com o João Pires e o Rui Silva a um meeting na Alemanha. O Pires sentiu-se mal e foi para o hospital. Eu e o Rui fomos à prova e depois ao visitá-lo ao hospital. O Pires tinha fugido de lá, fartou-se de esperar em ser atendido!”.
Um sapato e um yogurte
Na nossa vida, acontece-nos um pouco de tudo. Sandra foi um dia treinar. Quando abriu o saco para se calçar, só lá tinha um sapato e um yogurte. Pediu um sapato emprestado e lá treinou. Quando chegou a casa, foi ao frigorífico. Tinha lá o outro sapato!
Sem equipamento para correr
A outra estória já se passou com muitos de nós. Foi correr à Bélgica e deixou a mala com o equipamento e sapatos no porão. Esta desapareceu e a solução foi pedir um equipamento e sapatos emprestados. Serviu-lhe de emenda, passou a levá-los sempre consigo para o avião.
Carreira de atleta em parceria com os estudos
Oriunda de uma família muito pobre, Sandra soube garantir o presente e prevenir o futuro ao licenciar-se em Educação Física (sem chumbar uma única disciplina), ferramenta muito importante na sua vida pessoal e desportiva. “Um curso superior é muito importante. Pode-se depois começar por um supermercado mas com o curso superior, a todo o momento podemos dar o salto para uma vida melhor”.
Na sua carreira, destaca as pessoas que a acompanham. “Felizmente, tive sempre pessoas fantásticas que estiveram ao meu lado desportivo e humano. Deixaram sempre que eu corresse e tratasse da minha vida profissional. Não ficou nada para trás. Agradeço o que sou hoje aos meus dois treinadores Pedro Gomes e Bernardo Manuel”.
Foi um prazer entrevistar Sandra Teixeira que prima pela simplicidade e simpatia, pelas suas ideias sobre o mundo do atletismo e da sociedade. Merece toda a sorte do mundo. Contamos continuar a encontrá-la nas provas populares ainda por muitos e bons anos.