A holandesa Sifan Hassan foi uma das grandes estrelas dos JO de Tóquio ao conquistar três medalhas, duas delas de ouro (5.000 e 10.000 m) e uma de bronze (1.500 m). Quando ela ao terminar a última das suas três finais, caiu na pista, era difícil adivinhar as suas emoções.
Alegria por ser a segunda mulher a ganhar os 5.000 m e 10.000 m? Lamento de que o título de 1500 m que a teria tornado uma tripla vencedora sem precedentes, tivesse escapado na noite anterior?
Alívio por ter acabado uma campanha em que cobriu mais de 24 quilómetros em oito dias acabou? Uma mistura dos três?
Na verdade, não era nenhum deles, mas sim algo mais primitivo. “Honestamente, naquele momento, eu estava muito feliz por sobreviver”, disse ela ao Sport Today na BBC World Service.
“Eu estava com muitas dores, estava a sofrer muito, estava a suar muito, muito, muito forte, todo o meu rosto estava a queimar, a minha mão estava a queimar, todo o meu corpo estava a queimar. Senti que não tinha água dentro de mim.
“Pensei que ia desmaiar. Naquele momento, não me importava com o ouro, só queria estar viva e saudável.”
As ambições olímpicas da atleta holandesa haviam-na levado ao limite da sua resistência. Hassan de cara amarrada, rodeada pela preocupada equipa médica, segurando gelo contra o rosto carrancudo, foi a cena final.
Na manhã de 2 de Agosto, ela tropeçou no início da última volta da sua série dos 1500 m. As suas rivais seguiram em frente quando ela se arrastava no chão. Por um instante, parecia que o seu objetivo pelas três medalhas de ouro tinha acabado.
Hassan pôs-se de pé num salto, correu atrás das suas adversárias, recuperou os 25 metros de atraso e acabou por vencer.
Naquela noite, ela voltou ao Estádio Olímpico e derrotou a campeã mundial Hellen Obiri, para conquistar o ouro nos 5.000 m.
Hassan não conseguiu manter depois o ritmo na final dos 1500 m. A britânica Laura Muir, da Grã-Bretanha e a queniana Faith Kipyegon deixaram a holandesa apenas com a medalha de bronze. No degrau inferior do pódio, ela não ficou satisfeita. “Quando perdi, então, fiquei com muita raiva”, diz ela.
“Depois da cerimónia da medalha, quando voltei para o meu quarto, sabia que havia algo dentro de mim. “Foi então que decidi: vou morrer amanhã, vou até ao fim.”
A frustração e a deceção vieram com tudo o resto enquanto ela esvaziava os tanques na sua última corrida em Tóquio.
Enquanto as rivais de Hassan selecionavam os seus eventos, concentrando-se para maximizar as suas hipóteses de ouro, ela diz que a curiosidade estava por trás da sua decisão de correr tantas provas em tão pouco tempo.
Seria possível? Logisticamente, atleticamente, mentalmente, ela poderia lutar pelos três eventos a um nível elevado num período de tempo dolorosamente curto?
Ela conseguiu. Agora, ela e os outros atletas poderão tentar imitá-la.
“Se Deus quiser”, disse ela, quando questionada sobre a perspetiva de lutar em três frentes noutro campeonato importante.
“Mas eu não acho que seja tão difícil como em Tóquio, só porque eu fiz isso. Mesmo que outro atleta tivesse feito isso, seria muito mais fácil porque sabemos que é possível. Algo é sempre mais difícil quando não sabemos antes.”
Entretanto, a sua curiosidade foi despertada por outro desafio. Hassan tem planos para combinar a estrada e a pista, acreditando que o seu extraordinário talento pode fazer a ponte entre os dois.
Ela espera correr maratonas mas sem deixar as pistas. É um outro grande desafio.
O britânico Mo Farah, ele próprio um campeão olímpico dos 5.000 e 10.000 m, pôde atestar como a confiança conquistada na pista pode desmoronar depois na pista, mesmo quando se concentra apenas na maratona.
Porém, Hassan já mostrou em Tóquio que irá até ao limite para perseguir a história e encontrar a grandeza.