A holandesa Sifan Hassan foi uma das grandes figuras dos JO de Tóquio, ao conquistar as medalhas de ouro dos 5.000 e 10.000 m e ainda, a de bronze dos 1.500 m.
Ela deixou a Etiópia há 14 anos e foi para a Holanda, com o estatuto de refugiada. A jovem de 28 anos é natural da região de Oromia, onde há muitos conflitos por uma maior autonomia, envolvendo grupos que lutam pela sua “libertação”.
A sua vitória nos 10.000 m foi obtida à frente da atual recordista mundial Letesenbet Gidey, nascida na região norte de Tigray, o epicentro de uma guerra civil que eclodiu em Novembro.
Sifan Hassan disse à BBC Sport Africa que é de partir o coração ver o que está a acontecer em Oromia, onde pessoas estão a morrer. “Não me arrependo de ter saído daquele país e nem mesmo, quero voltar. É tão doloroso. Dói-me quando penso nisso, é terrível.” Sifan disse que teve uma infância feliz até 2007, quando eclodiram os combates em Oromia.
Todas as três atletas no pódio dos 10.000 metros em Tóquio nasceram na Etiópia. A
medalha de prata foi para a agora, barenita Kalkidan Gezahegne, que se tinha sagrado campeã mundial dos 1.500 m em pista coberta, em representação da Etiópia. Letesenbet Gidey foi a única atleta que ainda compete pela Etiópia.
A Etiópia, que é o segundo estado mais populoso da África, tem uma história de tensões étnicas. Sifan Hassan culpou essa situação pelo país ter perdido tantos atletas promissores. “Lembro-me de que os jovens amavam-se, agora odeiam-se. E costumavam chamar-se de etíope, agora tenho a certeza de que muitos tigraenses não se dizem etíopes”, acrescentou.
Quando Gidey Letesenbet alcançou o recorde mundial dos 10.000 metros que era de Hassan, os fãs locais inundaram as postagens da World Athletics nas redes sociais para dizer que a nova referência havia sido estabelecida por um Tigrayan, não uma etíope.
No início deste mês, a ONU disse que as necessidades humanitárias urgentes estavam sendo relatadas em Oromia, enquanto cerca de quatro milhões de pessoas em Tigray precisavam de assistência de emergência.
“É simplesmente terrível”, continuou Hassan. “Letesenbet é uma atleta incrível. De onde ela vem, há crianças sendo estupradas. Dá para acreditar em quantas mulheres, talvez sejam como eu com um sonho, e são estupradas?”
Hassan disse que a visão de três corredoras nascidas na Etiópia a ganharem medalhas nos 10.000 metros, irá dificilmente unir as comunidades, tão arraigados estavam os desejos por mais autonomia.
Os críticos do primeiro-ministro Abiy Ahmed, que é um oromo – o maior grupo étnico do país, suspeitam que ele queira centralizar o poder com as reformas posta em prática, desde que assumiu o cargo em 2018.
“Se eu fosse ele, recuaria”, aconselha Hassan. “Eu daria poder, diria às pessoas para escolherem o que querem.”