Na manhã de 16 de Setembro, 40 mil corredores de mais de 130 países irão correr as ruas e avenidas da Maratona de Berlim com o intuito de escrever histórias de sucesso e realização pessoal.
A maratona de Berlim desperta fascínio em corredores do mundo inteiro. Palco perfeito para a quebra de recordes entre atletas profissionais e amadores, a maratona da capital alemã carrega um charme inconfundível e ajuda a traduzir a essência de uma cidade multicultural e multiétnica.
Esta vibrante metrópole, onde vivem 3,5 milhões de pessoas de mais de 180 nacionalidades diferentes, nunca para de se reinventar. E disputar a Maratona de Berlim é uma das maneiras de descobrir as diferentes facetas da cidade.
“O charme de Berlim é resultado do passado rico e dos contrastes, que são maiores do que em outras cidades alemãs”, disse uma vez Klaus Wowereit, ex-presidente da Câmara da capital.
42.195 metros de pura história
As primeiras palavras que vêm à mente quando pensamos no percurso, são “plano” e “rápido”. O trajeto, na verdade, é muito mais do que isso. Para quem não está preocupado com o ritmo, vale a pena reparar no que está ao redor e olhar menos para o cronómetro.
Com paisagens marcadas ora por construções modernas, ora por obras antigas, os 42.195 metros ajudam a recontar como a cidade sofreu com a Segunda Guerra Mundial, foi dividida pela Guerra Fria e ganhou o status de paraíso alternativo.
Criada em 1974 por atletas de um clube local, a Maratona de Berlim era disputada no lado ocidental até à queda do muro. Hoje, os corredores correm pelas duas partes da cidade, a ocidental e a oriental, com as marcas dos conflitos do passado a estarem espalhadas por diversos trechos do trajeto.
A partida e a meta são nas imediações da Porta de Brandemburg, lugar mais emblemático da cidade e palco de episódios marcantes da história da humanidade. Foi neste arco neoclássico de 30 metros de altura que o imperador francês Napoleão Bonaparte celebrou a sua vitória sobre a Prússia em 1806 e as tropas nazis marcharam para comemorar a chegada de Adolf Hitler ao poder em 1933.
Durante a Guerra Fria, a Porta de Brandemburg esteve numa “zona morta”. Se hoje mais de 40 mil corredores passam por ali no dia da maratona, há algumas décadas apenas os soldados da Alemanha Oriental podiam aproximar-se do monumento. É o maior símbolo da reunificação da Alemanha após a queda do muro. Não faltam bons restaurantes na Avenida Unter der Linden, onde está o arco.
No km 6, os corredores passam pelo Reichstag, o edifício que alberga o parlamento alemão e uma das atrações mais fotografadas da capital. Ali aconteceu um duro golpe na democracia alemã. Em Fevereiro de 1933, o plenário foi completamente destruído por um incêndio provocado por um jovem comunista holandês.
Menos de um mês depois de ser empossado como chanceler, Hitler aproveitou o facto para solidificar a sua ditadura. “Agora não há mais piedade. Quem se colocar no nosso caminho será eliminado”, teria dito ele.
Nos dias ensolarados em Berlim, centenas de jovens repousam sobre o relvado que há em frente ao Reichstag. O km 11 guarda outra surpresa: a torre de televisão de Berlim, localizada na Alexanderplatz, ponto movimentado e repleto de estrangeiros. Referência para os turistas perdidos, a torre pode ser vista a quilómetros de distância.
A partir do km 15, o corredor entra nos bairros de Neukölln e Kreuzberg, maiores símbolos da Berlim alternativa e descolada. Ali, o padrão é não ter padrão — o que leva alguns alemães a dizerem que a cidade é a menos “alemã” do país. Atraídos pelo baixo custo da região nas décadas passadas, jovens, músicos e artistas levaram a sua criatividade e diversidade cultural à região. Prova disso são os muros, prédios e pequenas ruas embaladas pela cor e arte.
Embora carregue uma vocação alternativa e fama de cidade pouco ostentatória, Berlim não deixa a desejar para quem gosta de modernidade e compras. Um bom exemplo é a Potsdamer Platz, situada no km 38 da maratona. A arquitetura arrojada de um Centro Comercial chama a atenção.
Quase no km 40, mais uma lembrança histórica vem à tona. A Leipziger Strasse está próxima do Checkpoint Charlie, o posto policial da divisão fronteiriça entre os setores soviético e americano durante a Guerra Fria. Lá, dez tanques dos Estados Unidos e 33 da União Soviética quase entraram em conflito em Outubro de 1961.
Os primeiros 42 km sem o muro de Berlim em 1990
O Muro de Berlim foi um símbolo da bipolarização do mundo no período da Guerra Fria. Após a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha transformou-se num dos principais cenários da disputa político-ideológica e foi dividida em duas: a Alemanha Oriental, alinhada ao bloco socialista, e a Alemanha Ocidental, com apoio do bloco capitalista.
Em razão do superior desenvolvimento económico do lado capitalista, a população do bloco oriental começou a fugir para o lado ocidental. Para manter o controlo da população e impedir a fuga, em 1961 foi imposta a construção do muro, cuja primeira versão foi erguida apenas numa madrugada.
Em 1990, a curiosidade dos atletas e o desejo de correr a maratona passando pelos dois lados de Berlim impulsionaram o número de inscrições, saltando de 15 mil para 25 mil pessoas. Nesse ano e durante o trajeto, foi possível observar algumas escavações e obras do lado oriental, uma tentativa de recuperar o atraso que tantos anos de separação influenciaram na capital alemã.
A partir da reunificação da Alemanha, o percurso passou por algumas adaptações. Os chuveiros com água quente, que ficavam logo após a meta, foram eliminados. Era então possível ver os alemães despidos e conversando alegremente sobre o seu desempenho na prova enquanto tomavam banho.
Organização impecável e calor humano
Os alemães são mundialmente conhecidos pela frieza e pela adoração coletiva à organização – não é por acaso que a frase “A ordem mantém o mundo” vive na boca dos germânicos.
Para quem vai disputar a Maratona de Berlim, apenas metade dessa fama faz sentido. A organização da prova faz valer o velho clichê de que “tudo funciona”. A retirada do kit é rápida, os postos de abastecimento estão bem distribuídos e tudo parece minuciosamente calculado para que a experiência seja positiva.
Aproximadamente um milhão de espectadores saem das suas casas para aplaudir e torcer pelos maratonistas. Os pais levam as crianças para as ruas, aplaudem e trazem aquela energia para os atletas populares. Várias pessoas montam mesas nas ruas para dar água e alimentos aos corredores.
A terra da cerveja
A cerveja está entre as razões que mais enchem os alemães de orgulho. Um sinal dessa tradição é que, na meta da Maratona de Berlim, voluntários entregam copos de cerveja, (com ou sem álcool) aos atletas.
A cervejaria bávara Erdinger, parceira da organização e uma das mais populares do país, apresenta a sua bebida como um fator que pode auxiliar na recuperação do corredor — “100% de desempenho, 100% de recuperação” é um dos slogans adotados pela marca. Na Alemanha, é comum que as cervejarias direcionem algumas das suas linhas aos consumidores desportistas.
Para os atletas que gostam de cerveja, a Alemanha é um paraíso. Quem quer relaxar nos dias seguintes à prova, tem no líquido dourado um bom motivo para permanecer mais alguns dias no país. Uma lei batizada como Reinheitsgebot, instituída há 502 anos, assegura a pureza da bebida. A regra é clara: as cervejarias locais só devem fabricar a cerveja com cevada, lúpulo, água e nada mais.