Célia Azenha é aos 54 anos de idade, a quarta atleta nacional com mais maratonas e ultras maratonas. Raramente treina e corre mais de 40 provas por ano. Já correu na China, na Patagónia, na Amazónia, no Everest. É uma corredora do mundo!
Na estrada ou trail, de norte a sul do país, quem não conhece Célia Azenha? Sempre com um sorriso nos lábios, ela é seguramente, uma das atletas mais conhecidas do pelotão. Natural do Porto, reside em Lisboa e corre desde 1999.
Célia é mais um exemplo da importância da corrida no equilíbrio com a atividade profissional. O atletismo apareceu na sua vida como fuga ao stress da sua atividade na área da investigação clínica farmacêutica. Estreou-se na mini maratona da Ponte 25 de Abril e nunca mais parou.
Fim de semana sem corridas é uma raridade na vida de Célia, de 54 anos. Em 2018, correu mais de 40 provas e este ano, já vai em cerca de 30. Mas já chegou a correr 60 provas num ano!
Como é que ela consegue participar em tantas provas de longa distância? Nem ela sabe! “Não sei explicar como consigo fazer tantas ultras! E não tomo suplementos. Quando puder, vou fazendo”.
E como vamos de treinos? Mal, Célia raramente treina. Devido à sua profissão, os tempos livres são raros. “Às vezes, consigo correr 2/3 km na estrada ou ir a uma aula de ginástica”.
A caminho das 250 maratonas/ultras
Corre pela Associação de Atletismo Lebres do Sado e quer chegar este ano às mil provas acabadas. Já completou 90 maratonas e 139 ultra maratonas! Na lista dos atletas com mais de 50 maratonas/ultras, surge em quarto lugar.
Entre outras ultras, esteve na “Rota da Seda” na China, nos 160 km da Amazónia na Guiana Francesa, no Raid Aventura no México que durou 13 dias, no Juracime na Suíça, no Mont Blanc, no Everest, nos 333 km da Tor Geant na Itália, na Patagónia, no Canadá e na Espanha. São tantas, tantas maratonas e ultras, que seriam precisas dezenas de linhas para escrever o nome delas todas.
“Não sei explicar como consigo fazer tantas ultras! E não tomo suplementos. Quando puder, vou fazendo”
Preferência por provas com 24 horas de duração
Não tem uma distância preferida. Mede a sua preferência pelo número de horas. Provas de 24 horas são as suas preferidas. As provas que mais gostou de participar foram as do Tor Geant na Itália em 2011, do Everest em 2014 e a da Patagónia em 2017. Em Portugal, tem um particular carinho para a Ultra do Gerês organizada por Carlos Sá e ainda pela maratona do Porto, onde é totalista.
Já as provas que menos a seduziram foram aquelas em que foi barrada de continuar, situação que nunca é agradável.
Sendo uma mulher que privilegia as ultras distâncias em montanha, Célia também participa frequentemente em provas mais curtas na estrada. Conhecedora das duas realidades, considera que a grande diferença está no tipo de pessoas. “As do trail são diferentes, apesar da muita competitividade em distâncias mais curtas”.
“Ambiciono apenas passar um bom momento nas provas”
Momentos mais marcantes
Embora o objetivo de Célia passe apenas por terminar bem as provas sem se preocupar com os lugares cimeiros, de vez em quando há uma surpresa à sua espera na meta. “Ambiciono apenas passar um bom momento nas provas”. Mas às vezes, o destino prega-lhe boas partidas. Foi o que sucedeu em Espanha, numa ultra de 100 km, “Cavalos do Vento”. Ela sabia que havia outras atletas do seu escalão mas o seu único objetivo era acabar a prova dentro do tempo limite. A 20 km da meta, disseram-lhe que a parte final era a descer, para estar tranquila. Quando cortou a meta, foi chamada ao pódio pois tinha sido a única do seu escalão a conseguir acabar a prova. E chamada logo a seguir ao grande atleta espanhol Kilian Jornet! “Levei tantas palmas! A praça estava cheia de gente”.
Outro momento marcante teve também a Espanha como local. Foi numa prova de 214 km organizada pelo pai de Kilian Jornet. Célia foi mais uma vez a única do seu escalão a conseguir terminar e tinha à sua espera o pai de Jornet para a receber.
Correr enquanto for saudável
As lesões raramente a têm visitado e tem os devidos cuidados com a alimentação. “Não gosto de carne mas não faço uma alimentação especial. Como muita massa antes das provas, de resto, não deixo de comer isto ou aquilo por causa de uma prova”.
Como é natural, Célia pensa correr “enquanto achar que é saudável. Se passar a ser a última e tiverem de esperar muito tempo por mim, logo vejo”. Se não estivesse nas corridas, ter-se-ia dedicado às caminhadas.
O que mais a atrai nas provas
Para Célia, o que mais a atrai nas provas é muito simples: “A grande vitória pessoal de terminar um desafio que impomos a nós próprios…mesmo com sofrimento, algumas vezes com excesso de tempo relativamente aos primeiros”.
No mundo das corridas, valoriza particularmente as pessoas e as Organizações “que se dedicam muito mas há atletas que não reconhecem o trabalho que dá pôr-se de pé uma prova”.
“Há muitas na mesma data e no mesmo sítio, devia-se arranjar uma forma de evitar isso”
Modalidade com futuro
Célia encara o futuro da modalidade com otimismo. “Temos cada mais gente bem treinada, Há miúdos na casa dos 20 anos com futuro.” E completa: “há muita gente nova a correr na estrada e nos trails. Em 2009, Mont Blanc tinha apenas uma mão cheia de portugueses. Agora, tem uma página cheia”.
Mais atenção à calendarização das provas
Na sua opinião, as organizações deviam ter mais atenção na elaboração dos calendários das provas. “Há muitas na mesma data e no mesmo sítio, devia-se arranjar uma forma de evitar isso”.
Dá ainda muita importância à segurança, às marcações dos percursos e à hidratação. “Em dias de calor, deve haver mais abastecimentos”.
Também considera boa ideia haver agora provas que possibilitam a respetiva inscrição com ou sem t-shirt.
“Aconselho as pessoas a treinar. Não façam o que eu faço, façam o que eu digo”
Correr e dormir ao mesmo tempo!
Estórias não faltam a Célia, todas elas deliciosas. Como esta passada nos 333 km da Tor Geant. “Durante o percurso, encontrei várias vezes um italiano que não tinha acabado a edição anterior. Ele só falava italiano, lá nos entendíamos um pouquinho quando eu falava francês. Nessa semana da corrida, dormi apenas 14 horas. Já próximo do final, eu e o italiano íamos com o braço encostado um no outro para assim dormirmos enquanto corríamos. Dormíamos à vez, No último posto de controlo, ele tinha lá a família e ficou a comer. Continuei a correr e consegui chegar com quase duas horas de avanço do tempo limite”.
Na Amazónia, rodeada de bandos de morcegos e aranhas do tamanho de pratos
Célia participou numa prova de 160 km que durou seis dias na Guiana Francesa, em plena Amazónia. As condições eram diferentes de tudo. Às oito horas da manhã, o calor já era imenso e a humidade chegava aos 95%.
Dormia-se em canas de rede ao ar livre e corria-se por aldeias de palhotas. Ao quarto dia, meteram os participantes a dormir num abrigo que não merecia grande confiança pois havia morcegos a voarem em todas as direções e corpos de gigantescas aranhas penduradas em enormes teias, por todo o lado.
Na “Rota da Seda” na China
Esta ultra teve 160 km, percorridos de Xangai a Pequim, em duas semanas com etapas entre os 15 e os 25 km diários. Célia correu nas famosas Muralhas da China e no deserto. Muitas vezes, as etapas ficavam distanciadas milhares de quilómetros, obrigando a viagens de avião.
A terminar, Célia quis deixar uma mensagem a todos os amantes da corrida: “Aconselho as pessoas a treinar. Não façam o que eu faço, façam o que eu digo”.