Nascida no Gana, a atleta Annie Tagoe foi viver para o Reino Unido ainda na infância e conheceu uma realidade já familiar para atletas negros em espaços brancos: o racismo. Para fazer face aos insultos que ouvia, a atleta chegou a adotar métodos para embranquecer a pele, mas encontrou conforto no contato com a diversidade dentro do atletismo.
“Eu clareei a minha pele em cada fase da minha vida, mesmo no desporto. Fiz isso porque queria sentir-me sempre bonita. Eu fazia isso para me sentir incluída. Eu usei bases mais claras, tentei o clareamento durante algum tempo. Fiz coisas loucas, muito loucas, para ficar mais clara”, confessou a atleta, de 27 anos.
Antes de se dedicar ao atletismo, Tagoe estudou na Escola Real Central de Discurso e Drama, onde revela que sofria ofensas de cunho racial e chegou a receber apelidos como “pele suja”, “carvão” e “meia-noite”. Além do racismo pontual, a falta de representatividade também foi um fator que fez com que a atleta perdesse o gosto pelo teatro. “Senti-me menor porque cresci querendo ser uma atriz, mas eram sempre mulheres miscigenadas ou de pele mais clara que eram mostradas como as mais bonitas. Quando eu estava nas aulas de teatro, eu não me sentia com valor porque a maioria dos papéis não eram para nós, especialmente numa escola tão embranquecida”.
Encontrar-se no atletismo foi importante para Annie Tagoe, que passou a ter contato com mais pessoas negras, entre colegas de pista e treinadores. No entanto, a mudança ainda é um processo. “Senti-me mais segura porque o meu treinador e alguns dos meus colegas de treino são negros. Acredito que ninguém pode dizer que alguém consegue algo no atletismo por causa da sua raça, ele torna-se bem sucedido por causa dos seus tempos. Mas eu não conseguia imaginar-me numa equipa porque acho que quando chega o momento das equipas serem escolhidas, a raça pode tornar-se um fator”.
Em 2010, Annie Tagoe conquistou uma medalha de bronze no atletismo nos Jogos Olímpicos da Juventude em Singapura. Com uma carreira promissora na juventude, ela teve que enfrentar sérias lesões no joelho e as consequências psicológicas. Hoje, competindo nos meetings nacionais, ela também credita parte da sua transformação interna a um dos seus treinadores. “Ele fez-me ter um psicólogo, um nutricionista, e tudo mudou para mim. Ele é um forte homem africano e mostrou-me todas as coisas certas. O meu treinador acredita que sou talentosa e apenas preciso de ter fé e acreditar nele. Tudo o que posso fazer para agradecer-lhe é correr, rápido”.
Manifestações antirracistas irromperam em todo o mundo nas últimas semanas, sobretudo no Reino Unido, com a participação entre outros, do automobilista Lewis Hamilton. Annie Tagoe acredita que o movimento seja o começo de importantes mudanças sobretudo no desporto, onde não vê diversidade. “Ainda estamos a lutar por equidade em tantas coisas. Ainda lutamos para que as nossas vozes sejam ouvidas. No topo do atletismo britânico, não há muitas pessoas negras. Muitos dos técnicos mais graduados são brancos, a maioria da equipa médica é branca, pelo que tenho visto. Acho que o Black Lives Matter é o início de algo grande. As nossas vozes vão começar a ser ouvidas. É o começo de nós sendo aceitos. No fim do dia, por que deveria importar a cor da nossa pele? Todos temos os mesmos esqueletos, nos movemos e falamos da mesma forma”.