Fábio Pio é um atleta do pelotão bem conhecido nas provas da Grande Lisboa. Fundador do blogue “Amantes da Corrida”, tem o hábito de tirar fotografias em plena prova. Maratonista por quatro vezes, encara a corrida como parte fundamental da sua saúde.
Fábio Pio nasceu há 48 anos (49 este mês) em Quelimane, Moçambique e veio para Portugal aos quatro anos de idade. Analista farmacêutico, sempre se interessou pelo atletismo. Foi um dos muitos portugueses que em 1984, ficou acordado de madrugada para ver o triunfo de Carlos Lopes na maratona olímpica de Los Angeles. Ou acordado até à meia-noite para ver as São Silvestres da Amadora. “Longe de mim imaginar algum dia, participar na mesma”.
Em adolescente, corria com os amigos mas as corridas a sério apareceram em 2006 com a Corrida do Tejo. A partir daí, começou a treinar com mais frequência.
“Sendo a atividade física igualmente importante na componente mental, temos que a tratar como se fosse um compromisso na nossa agenda”
Sem treinador e sem plano de treinos
Fábio corre pelo Grupo Desportivo Santander Totta e nunca teve um treinador. “Procuro constantemente aprender, embora obviamente com um treinador, evoluiria com toda a certeza, que não é o que acontece”.
Não é também adepto de correr com um plano de treinos. “Nunca cumpri um plano de treinos, nem mesmo quando fiz quatro maratonas e muito menos tenho plano de treinos para fazer meias-maratonas. É a vantagem de conhecer o meu corpo”.
Treina uma a três vezes por semana e quando não há provas ao domingo, “a missa é sagrada”, aproveita para treinar distâncias longas. Gosta de treinar cedo e a explicação é fácil: “Se tenho que acordar cedo para trabalhar, porquê não madrugar para fazer uma coisa que alivia o stress, liberta as endorfinas provocando a sensação de bem-estar. Faço-o por gosto, para além do dia ficar bem maior. Eu, na medida do possível, tento treinar cedo pela manhã; o dia de trabalho corre muito melhor, é muito mais produtivo e a probabilidade de surgirem problemas e imprevistos é reduzida, por comparação com treinos à tarde ou à noite”.
“Não há maior investimento na nossa saúde que a prática do exercício físico, que é um conceito diferente de desporto”
Como conciliar a atividade física com a vida pessoal
São muitos, aqueles que arranjam desculpas para não praticarem regularmente atividade física. A desculpa mais conhecida é a esfarrapada “não tenho tempo”. Fábio tem ideias bem esclarecidas acerca desta questão. “Na sociedade atual em que estamos inseridos, não é (nada) fácil conciliar a nossa vida pessoal, familiar e a atividade profissional com os treinos, mas temos que ter tempo para nós; costumo dizer que não há maior investimento na nossa saúde que a prática do exercício físico, que é um conceito diferente de desporto”.
Outro aspeto importante referido tem a ver com a mente: “Sendo a atividade física igualmente importante na componente mental, temos que a tratar como se fosse um compromisso na nossa agenda, que deve ser cumprido inadiavelmente. Com o passar do tempo, vai-se tornar tão gratificante que vamos arranjar sempre alguma forma/tempo para treinar/correr”.
Corrida do Tejo, a prova eleita
Corre em média 25 provas por ano. Aquelas que o seu clube define trimestralmente e depois, a nível individual, provas emblemáticas como a Corrida do 1º de Maio, as São Silvestres da Amadora e de Lisboa, a Meia Maratona de S. João das Lampas e a Corrida das Fogueiras.
A Corrida do Tejo é a sua prova preferida. “Devido à moldura humana e ao enquadramento paisagístico, percurso acessível e plano e correr ao lado do rio, é sem dúvida uma das melhores provas a nível nacional”. Mas Fábio tem ainda outras provas imperdíveis, como as acima referidas.
Não tem nenhuma prova na “lista negra” mas não aprecia provas que comecem atrasadas (“nem que seja cinco minutos”), onde haja falta de água nos abastecimentos (“isto considero inaceitável”) ou quando os locais de partida e meta estão distanciados um do outro.
“Nós conhecemos melhor, tanto o corpo quanto a mente e descobrimos que os nossos limites vão muito além daquele a que nós nos impomos”
Maratona, distância rainha
Fábio já correu quatro maratonas, duas em Lisboa, uma no Porto e outra em Sevilha. “Todas sem quaisquer plano de treinos, apenas por teimosia e gostar de desafios pessoais e de superação”.
Como acontece com a esmagadora maioria dos atletas, a sua primeira maratona teve um significado muito especial. Foi em 2011, a penúltima organizada pela Xistarca, que começava e terminava no Estádio do Inatel.
Atualmente, a sua distância preferida passa pelos 10 km, “devido a diversos fatores tais como a falta da rotina de treino”. Mas não esquece os 42.195 metros. “Tenho o sonho de fazer o denominado turismo desportivo – fazer uma maratona todos os anos no estrangeiro – e assim juntar o útil ao agradável: juntar a corrida e conhecer novos locais, pessoas e costumes”.
Atleta citadino
Fábio já tem participado em alguns trails mas com um baixo grau de dificuldade e distâncias curtas. Confessa-se um atleta citadino: “Gosto de correr no asfalto, nas ruas da capital enquanto a cidade dorme, no meio da rua entre os prédios e os carros ou então, junto ao rio entre o Parque das Nações e o Cais do Sodré, sendo que atualmente, o meu ‘spot’ preferido é o Passeio Marítimo de Oeiras”.
Dois momentos marcantes da sua carreira desportiva
Elege dois momentos marcantes na sua carreira desportiva. Um, é naturalmente a sua primeira maratona de Lisboa. “É um marco que perdurará para sempre na minha memória e passado dois meses, fui fazer a maratona de Sevilha”.
O outro momento marcante passou-se na Meia Maratona da Ponte 25 de Abril, numa manhã com demasiado calor para o mês em causa, Março. “Foi uma prova em que, ao longo do percurso, vi muitos atletas a desfalecerem e a receberem assistência médica. Ao km 15, junto ao Centro Cultural de Belém encontrava-se um atleta aparentemente de nacionalidade estrangeira, em paragem cardio-respiratória e tendo eu o curso básico de suporte de vida e do desfibrilhador, não poderia ficar indiferente. Fiz-lhe manobras de reanimação, juntamente com outro atleta que já estava no local até chegar ajuda diferenciada. Cansado, devido ao calor e compressões, ainda consegui atingir o meu objetivo de concluir a prova, nada mais soube do atleta a quem tinha ajudado mas terminei com a satisfação de ter eventualmente contribuído para salvar uma vida”.
“O atletismo é o único desporto que nos permite correr/estar lado a lado com os nossos ídolos”
Cuidados com a alimentação na semana que antecede provas mais longas
Não tem cuidados especiais com a alimentação, exceto quando vai correr uma meia maratona ou maratona. “Aí, a alimentação é primordial para terminar a prova. Na semana que antecede a prova, abstenho-me de doces e todos os dias consumo preferencialmente alimentos ricos em hidratos de carbono com baixo índice glicémico que são absorvidos lentamente pelo organismo e são libertados durante a corrida evitando-se a hipoglicémia; outro segredo é, durante a prova, a cada 5 km, comer o meu cubo de marmelada; recuso-me a experimentar géis ou qualquer bebida que não conheça em provas”.
Quanto aos cuidados com a saúde, faz duas vezes por ano um hemograma completo e um check-up de cinco em cinco anos. Mas reconhece que “agora com outra idade, é importante começar a visitar o médico regularmente e exercer uma medicina preventiva para garantir uma vida saudável”. Nunca se lesionou, “o que é inacreditável”.
“No mundo da corrida estamos todos de sapatilhas, calções e t-shirts, nada nos diferencia, não há raça, religião, pobre ou rico, somos todos iguais”
Correr ou caminhar, sempre!
Como amante que é das corridas, Fábio pensa correr enquanto poder. “Não estou a ver-me a pensar em deixar de correr ou caminhar, aliás nem quero pensar nisso. Posso ter períodos mais ou menos longos sem treinar ou correr, mas deixar de o fazer definitivamente não está nos meus pensamentos”.
Não se vê a praticar outra modalidade. “O atletismo é apaixonante, correr exige esforço. Como não tenho jeito para nenhum outro desporto ou modalidade, corro porque a corrida é uma competição apenas comigo e gosto do desporto em geral”.
Todos iguais no mundo das corridas
Como com boa parte dos atletas populares, Fábio aprecia a possibilidade de fazer novos amigos. “O correr permite criar ( novos) laços sociais independentes da estrutura profissional, alargando o leque de bons amigos que no gosto de correr, temos o nosso objetivo comum. No mundo da corrida, todos estamos de sapatilhas, calções e t-shirts, nada nos diferencia não há raça, religião, pobre ou rico, somos todos iguais”.
Recorda ainda ser o atletismo o “único desporto que nos permite correr/estar lado a lado com os nossos ídolos”.
O futuro é uma incógnita
Quando Fábio começou a correr, ele e o seu irmão não viam grande futuro na modalidade. “Nas provas, olhávamos para o lado e víamos gerações e escalões etários dos 50 anos em diante”. Mas o panorama mudou felizmente. “Todavia, há alguns anos atrás, cinco a seis anos, surgiu o fenómeno do ‘running’, onde correr se tornou moda e ‘viral’; víamos até surgir a pandemia, o calendário completamente preenchido, alguns dias inclusive, com mais do que uma prova de estrada e trail”.
Agora, a pandemia do coronavírus trouxe-nos outra realidade: “A nível nacional e mundial, para o atletismo e o desporto em geral, o dia de amanhã é uma incógnita. Retornar gradualmente é um imperativo”.
“Os nossos limites vão muito além daquele a que nós nos impomos”
Blogue “Amantes da Corrida”
Fábio fundou o blogue de atletismo, “Amantes da Corrida”. A ideia surgiu há dez anos quando ele e o seu irmão Hamilton começaram a correr. Havia que passar para o computador as experiências tidas nas corridas. “Abordar a temática da corrida como que um diário pessoal, feito na primeira pessoa, mas também dirigido a todos atletas e pessoas em geral que gostem de praticar a corrida como uma atividade lúdica e um investimento na saúde”.
Escolhido o nome do blogue, o passo seguinte foi “começar a partilhar as experiências do que vamos adquirindo e aprendendo constantemente no dia-a-dia e nas provas em que participamos, tentando depois fazer um fiel relato”.
Influência da corrida na via diária
Fábio não tem dúvidas em reconhecer a influência da corrida na sua rotina de vida. “Na nossa sociedade sedentária em que estamos inseridos nos dias de hoje, onde por vezes o tempo é escasso, precisamos de um esquema para nos mantermos em boa forma. Não somos atletas regulares, a definição correta é sermos os típicos corredores de domingo que participam mais em provas/competições do que treinar; permanecemos ativos e somos felizes assim. O lema é ‘se não podes voar então corre, se não podes correr então anda, se não consegues andar então nada mas de qualquer forma ou maneira, mantém-te em movimento’, de Martin Luther King”.
Fábio está no atletismo com um objetivo bem definido: “Estou neste meio, não para ganhar medalhas ou fazer tempos. Mas como é óbvio, se conseguir conciliar, fico contente, o fundamental é participar! Esta é a filosofia que tento transmitir no blogue, tentando ter sempre uma visão otimista, realçando os aspetos positivos com críticas construtivas, de modo a que possamos estar sempre a melhorar”.
Projetos futuros na modalidade
O meio século de vida é já em 2021. Para comemorar a data, Fábio gostaria de correr uma ultramaratona, de preferência com 50 km. Outra ambição passa por criar uma equipa com o nome do blogue “Amantes da Corrida”.
“Se correr é para todos? Claro que é para todos os que quiserem e estiverem dispostos a superar limites. Se eu consegui, qualquer um consegue!”
Primeira maratona que deu direito a aposta!
Estórias não faltam ao nosso entrevistado. Uma delas foi a aposta que fizeram quando souberam que ele se tinha inscrito na primeira maratona, uma semana antes de acabar as inscrições. “Obviamente acabei!”
As fotos tiradas durante as provas
Fábio é bem conhecido no pelotão pelas fotos que vai tirando quando corre. “ Ao longo das provas, são inúmeras as pessoas que me conhecem por tirar fotos enquanto corro. Quando não levo a máquina fotográfica ou telemóvel, perguntam logo o que se passa
se a máquina fotográfica/telemóvel está estragada/o”.
Três mensagens finais
A terminar, Fábio quis-nos deixar três mensagens: 1ª) “Nós conhecemos melhor, tanto o corpo quanto a mente e descobrimos que os nossos limites vão muito além daquele a que nós nos impomos”.
2ª) “Se correr é para todos? Claro que é para todos os que quiserem e estiverem dispostos a superar limites. Se eu consegui, qualquer um consegue!”
3ª) “Igualmente fico muito contente quando se aproximam de mim, o que já aconteceu por diversas vezes, e me dizem que começaram a correr por minha causa”.
Com toda a sua energia e filosofia desportiva, vamos ter certamente Fábio Pio a correr por muitos e bons anos.