(Fotos de Mafalda Lima)
João Lima é dono de um dos melhores blogues do país dedicado ao mundo das corridas. Não dizemos que é o melhor porque não conhecemos todos.
A sua paixão pelas corridas é conhecida de norte a sul do país. A maratona já deixou de ser para ele aquele “papão” e é raro o ano que ele não faz uma ou duas. Acabou de completar a de Sevilha e relatou no seu blogue como foi mais uma experiência inesquecível que lhe permitiu “roubar” 5m56s ao seu anterior recorde.
Para quem quando correu a primeira vez na mini da Ponte 25 de Abril e achou que a meia maratona era uma tarefa “impossível”, João Lima é um grande exemplo de que não existem impossíveis na corrida.
Convidámos João Lima a relatar a sua experiência na Revista Atletismo. É com todo o prazer que publicamos o seu texto integral que está no seu blogue.
Hey! Ho! Let’s go!Venga, venga! Animo, animo!
Allez allez!
Si! Se puede!
Campeones!!!
São frases de apoio em forma de melodia que perdura nos nossos ouvidos. Incansável este público que nos acarinha durante 42 quilómetros, gritando, aplaudindo durante as horas que medeiam a passagem do primeiro ao último atleta.
E que diferença faz na nossa prestação!
Depois da minha inesquecível presença em 2014, tornei a ser muito feliz em Sevilha. E se na altura sabia que iria regressar, que tinha de regressar, saí de Sevilha com a mesma sensação, a mesma sede de repetir aquele turbilhão de emoções que uma Maratona sempre proporciona mas sendo amplificada em Espanha por uma população que reconhece o esforço de todos e entra activamente na festa.
A somar a tudo isto, uma bonita cidade e uma organização irrepreensível.
Comparando com 2014, o trajecto registou uma pequena alteração que vem do ano transacto. E essa alteração veio eliminar aquele que na altura pensei ser o único ponto menos positivo do trajecto. Assim, ao passarmos a ponte para reentrar na Isla de la Cartuja, víamos o estádio do lado direito mas tínhamos que lhe virar costas para uma volta de 2 km que nada trazia. E perto dos 40, ir para trás era penalizante a nível mental.
Ora agora temos mais 2 km pela cidade e quando atravessamos a ponte dirigimo-nos logo para o estádio.
Outra vantagem, e importante, é que na altura que precisamos de (ainda mais!) apoio, 35 a 39 km, estamos a passar na zona onde os espectadores mais se acotovelam, chegando mesmo, em frente à Catedral, a estreitar a passagem, criando um corredor por onde passamos entre todo o tipo de apoio.
E a força que isso dá!
A feira mantêm-se em muito bom estilo e até deixavam pegarmos no troféu do primeiro para uma recordação, como pode ser aqui visto.
A Pasta Party foi bem servida. Em relação às que conheço, superior a Paris (que também era boa) e Barcelona (uma decepção, a única dessa prova) mas nada chega à excelente massa do Porto!
Depois duma semana de boas previsões meteorológicas, os últimos dias passaram a dar chuva para a manhã de domingo, em especial para a hora da partida. Como bem sabemos, uma coisa é apanharmos durante, outra é começarmos frios, sem ainda termos aquecido.
Quando saímos do hotel, faltando hora e meia, chovia bem, chuva que durou até cerca duma hora antes. Depois passou e, mais uma vez, S. Pedro foi amigo dos maratonistas (ou maratonianos como se diz em castelhano). Esteve frio, sem chuva, e apenas notei vento contra numa recta aos 18 km. Portanto, boas condições para uma Maratona.
Como sempre, a minha intenção numa prova desta grandeza, e ao contrário de outras em que, se me sinto em condições, vou a pensar em determinadas marcas, é chegar ao final, cortar a meta. O que não significa que não dê o meu melhor. Vou a dar o que tenho e o que não tenho mas sempre com os olhos na meta e não em contas. Se vier alguma marca, é um saboroso bónus.
Mas o que é certo, é que desde os 30 km que senti ter novo record pessoal nas mãos. O primeiro quilómetro foi, como habitualmente, lento, a ir adaptando o organismo a uma corrida que só iria terminar várias horas depois, para no segundo começar a ir para aquele ritmo pretendido, estabilizando aí.
Os quilómetros foram passando e comecei a preocupar-me em cada um que passava pois o ritmo ia um pouco mais rápido do que o que achava ser prudente. Tentava mas não conseguia abrandar pois sentia-me mesmo bem assim, não indo em esforço que fosse pagar adiante.
A partir dos 11, e a constatar mais um quilómetro feito mais rápido do que pensava ser margem de segurança, deixei de me preocupar. Sentia-me bem assim, de modo algum estava a abusar, portanto mantive.
Tinha idealizado tomar os géis aos 15 e 30 mas quando passei a tripla légua, adiei pois não sentia ser necessário. Apenas o fiz aos 18, única altura até aos 30 e muitos onde senti alguma dificuldade, pelo vento contra nessa recta. Mal cortámos à direita, tudo passou e não mais houve esse vento.
Curiosamente, foi o único gel que tomei pois a banana que comi aos 25 km, terá substituído e não senti qualquer necessidade de tomar o segundo. Nestas últimas duas Maratonas (Porto e Sevilha), de longe as que mais e melhor treinei, foram as duas onde ingeri menos géis. E simplesmente porque não precisei.
Passagem à Meia sempre bem e com toda a coragem para a 2ª metade, 25 km perfeitos e aí apercebi-me pelo tempo que o meu record dos 30 km, alcançado na Maratona do Porto há 3 meses atrás, iria cair. Era de 3.08.16 e passei em 3.06.03, menos 2.13 e a sentir-me bem.
Como costumo dizer, a Maratona começa aos 30. Seria a altura de ir buscar as forças que estavam guardadas na reserva. Mas ainda me sentia bem, claro que já um pouco cansado mas ainda bem.
É giro verificar que nas primeiras 6 Maratonas, era por volta dos 30/32 km que chegava àquele estado de muito cansaço, com excepção da de Paris, que foi apenas aos 35. Ora na sétima (Porto) foi só aos 37 e agora em Sevilha aos 38. Ainda hei-de fazer uma, onde esse cansaço chegue apenas na meta.
Ora estes últimos quilómetros em Sevilha são, como disse anteriormente, em locais emblemáticos e de forte presença e apoio dum entusiasta público que só falta levar-nos ao colo. Assim, entrei no Parque Maria Luísa, ainda razoável, dando a bela volta pela linda e majestosa Praça de Espanha, saindo para, depois da larga avenida, entrar na zona da Catedral e preparar os ouvidos para o fantástico apoio.
E foi aí, pouco depois da Catedral (38 Km), que senti estar a chegar ao final da reserva. Altura de entrar em modo de sobrevivência, apesar de este estado ter sido menor do que em anteriores Maratonas e passou-se rápido.
A aproximação do estádio faz-se sempre em ambiente de grande emoção e com os atletas mais rápidos já a saírem e darem também o seu apoio.
Estádio em frente! Túnel! Já não me recordava que ainda se descia de forma um pouco íngreme e tenho uma ameaça de cãibra na perna direita. Paro por uns breves segundos, massajo, parece que passou e retomo.
Entro no estádio! Que sensação!!! Como colocar por palavras a descrição do momento de cortarmos uma meta após 42 km? Se se dedicarem a ver as fotos que a Mafalda tirou ou doutros fotógrafos na meta, salta à vista todo o extravasar de emoções de tanto e tanto atleta num momento que ninguém consegue ficar indiferente. Seja um campeão ou alguém que dobra o tempo do primeiro mas que é tão vencedor como ele, porque se superou numa prova que não dá espaço para falhas, porque não nasceu atleta, não é profissional, mas consegue esse seu tão pessoal triunfo, por toda a paixão que coloca.
Nesta volta ao estádio, além da emoção própria, o juntar da recordação de há 3 anos, onde rubriquei a corrida da minha vida, pelas enormes condicionantes que tinha, e permitiu ter continuado a cumprir Maratonas.
Corto a meta, dou um berro de alegria. Sinto que dei tudo e sou recompensado com novo record pessoal. Depois de nas 6 primeiras Maratonas ter registado sempre à volta de 5 horas e pouco, no Porto há 3 meses retirei 15 minutos ao record, colocando-o em 4.47.36, para agora retirar mais 6 minutos (5.56 para ser exacto) e perfazer 4.41.40
Mais significativo foi pouco mais de metade desses 6 minutos terem sido conquistados nos últimos 7 quilómetros, habitualmente o meu sector mais frágil.
Analisando agora os tempos de passagem, verifico que (comparando sempre com o Porto 2016 onde estava a minha anterior melhor marca) nos primeiros 10 km, ganhei 1.17 (na Invicta fui um pouco conservador no início), entre os 10 e a Meia ganhei agora 1 segundo (virtualmente decalcada do Porto!), ganhei mais 55 segundos entre a Meia e os 30, 39 segundos entre os 30 e os 35, para entre os 35 e a meta ganhar 3 minutos e 4 segundos (!).
Melhor, no Porto acabei completamente nas últimas e demorei um par de dias a recuperar. Agora acabei, logicamente cansado mal seria, mas bem e a recuperar agradavelmente.
Muita coisa fica para dizer pois a escrita ainda não descreve o que o coração guarda para sempre. Uma maravilha duma Maratona, criando mais um dia de felicidade pura!
Como foi a primeira Maratona com os meus “sobrinhos” já nascidos, esta Maratona foi-lhes dedicada. À Filipa e Tomás, e naturalmente aos seus pais Sandra e Nuno por tudo o que fizeram para que eles vingassem.
Quero também agradecer ao Orlando e Nora pela viagem e muito agradável companhia. E, claro, a todos que me apoiam sempre, incondicionalmente. Acreditem que era em todos vós que pensava quando o cansaço queria bater à porta. Cheguei a dizer baixinho nessas alturas “o pessoal acredita em mim”. São uma força imparável!
Para quem adora correr, uma Maratona é o que aqui em cima se reproduziu. Que se sofre, claro que sim, mas é um sofrimento bom por ser um investimento para sensações que só sentidas se entendem e que jamais nos irão largar!