Natércia Silvestre é médica otorrinolaringologista e especialista em ultratrails. A sua distância preferida vai para provas com mais de 80 km. Tem vencido várias provas em Portugal e no estrangeiro, já foi segunda nos 160 km do Grande Raid dos Pirinéus e quinta nos 120 km do Ultra Trail do Mont Blanc.
Natércia Silvestre tem 34 anos e nasceu em Freixial do Campo, Castelo Branco. É médica otorrinolaringologista e uma especialista em ultratrails. Lembra-se de correr desde o 5º ano, quando participou no seu primeiro corta-mato escolar. Não parou de correr mas só depois de terminar a faculdade, no seu ano de internato geral em 2007/2008, é que começou a correr com mais regularidade e a participar em provas.
Estreou-se na primeira edição do AX Trail em 2008, em Casal de São Simão, concelho de Figueiró dos Vinhos. “Achei uma prova dura mas gostei muito da paisagem, dos trilhos e do ambiente e foi desde aí que comecei a estar mais atenta às provas que havia e a participar mais”.
Correr na aldeia era o desporto possível
O desporto sempre fez parte da vida de Natércia. No Desporto Escolar, ainda jogou futebol e voleibol. Mas como vivia numa aldeia e estava condicionada pelos horários dos autocarros, não conseguia ir a quase nenhum treino nem aos jogos e, por isso, nunca foi grande praticante daquelas modalidades. “Correr era uma coisa que podia fazer sozinha e na aldeia, por isso sempre fui fazendo as minhas corridas, hábito que mantive até ir para a faculdade e depois surgiu o trail, quase na linha do que já estava habituada a fazer”.
Treinar à hora do calor em Castelo Branco
Natércia corre esta época pelo AB Cansado Trail, clube filiado na AA de Castelo Branco. Treina 5 a 7 vezes por semana, desde 2011 sob a orientação de Paulo Pires.
Não lhe tem sido fácil conciliar os treinos com a sua profissão. “Não tem sido muito fácil treinar no Verão desde que estou a trabalhar em Castelo Branco. Como estou muitas vezes de prevenção à urgência à noite e aos fins de semana, acabo por ter que treinar muitas vezes pela hora do calor (e que calor em Castelo Branco…). Mas lá vou tentando cumprir os meus planos de treino”.
Quando tem provas no país, Natércia procura não ser escalada para trabalhar ou faz trocas na escala. Quando corre no estrangeiro, mete uns dias de férias de forma a conciliar a vertente desportiva com a turística.
Razões porque prefere o trail
Natércia confessa que nunca foi uma atleta de estrada. “Foi quase no trail que comecei, por isso também, não tenho um grande padrão de comparação. Mas os ritmos mais alucinantes da estrada (que eu não tenho) não me seduzem muito. Gosto mais dos trilhos pela paisagem, pela irregularidade do terreno que obriga a uma gestão de esforço diferente, em que caminhar também faz parte. O facto de conseguirmos conversar com as pessoas, conhecer gente e conhecer locais em que provavelmente não iria de outra forma, são coisas que me levam a querer continuar a fazer trail”.
E porquê as provas mais longas? Elas têm-me ensinado a conhecer-me um pouco melhor, a perceber que realmente às vezes valho mais do que penso e que tenho aqui ou ali uma estrelinha que me guia e apoia, que me leva a seguir em frente sem cair ou desmoralizar…
“Na estrada, há por regra um ritmo mais intenso, uma tentativa de melhorar marcas enquanto no trail é diferente, não se tentam tanto melhorar marcas, muitas vezes as pessoas vão para descontrair e para se divertir”
Nos trails para descontrair e divertir
Ao contrário do que sucede na estrada, onde há mais provas mas regra geral, menos participantes em cada uma, temos mais trails com mais participantes em cada um. Quais as razões que podem explicar esta realidade? Eis a explicação da nossa entrevistada. “Noto que há uns anos, nos conhecíamos todos e agora não conheço muita gente. Mas acho isso bom. É sinal que as pessoas gostam de estar em contacto com a natureza, de sair do ambiente da cidade onde vivem os seus dias, e é também sinal de menos sedentarismo. Em relação a haver menos participantes na estrada, não sei se tem a ver com a monotonia das provas… Acho que muita gente começa por fazer provas de estrada… São mais seguras em termos de terreno e permitem uma maior progressão em termos de tempos… Mas depois, dependendo dos objetivos de cada um, quando as pessoas se aventuram no trail, talvez gostem mais… Na estrada, há por regra um ritmo mais intenso, uma tentativa de melhorar marcas enquanto no trail é diferente, não se tentam tanto melhorar marcas, muitas vezes as pessoas vão para descontrair e para se divertir”.
Metas cumpridas em cada desafio
Natércia não tem um momento da sua carreira que a tivesse marcado mais particularmente. Recorda as várias provas em que participou como metas cumpridas. A primeira vez que fez mais de 40 km; a primeira de 80 km. A única de 160 km que fez até hoje, em que terminou com cinco bolhas em cada pé e a cerrar os dentes. Mas terminou e recorda esse momento com orgulho de si mesma. Foi no Grande Raid dos Pirinéus em 2015 onde conseguiu ser a segunda mulher.
Refere-nos ainda a sua participação no TDS com 120 km incluída no Ultra Trail do Mont Blanc (Alpes) no ano passado, onde foi quinta. “ Recordo todas com carinho, são momentos que vivi, que me fizeram desafiar-me, estar comigo mesma e até crescer um pouco mais como pessoa”.
Natércia alcançou ainda o 9º lugar na Ultra Cavalls del Vent-Salomon Nature Trails que teve lugar em Bagà, em Espanha.
A prova teve 1.050 atletas que percorreram o Parque Natural del Cadí Moixeró, sendo que apenas 626 conseguiram chegar à meta, após 100 km e 13.320 metros de desnível acumulado.
“Nos trails, noto que há uns anos, nos conhecíamos todos e agora não conheço muita gente. Mas acho isso bom. É sinal que as pessoas gostam de estar em contacto com a natureza…”
Projetos futuros passam pelos grandes trails
Nunca correu uma maratona na estrada e atualmente, corre duas ou três ultras maratonas e depois, numa ou outra prova de trail de distância mais curta, ou mesmo de estrada, na região de Castelo Branco.
Por regra, procura não repetir as provas mas gosta muito de fazer as do AxTrail – agora UTAX e o Estrela Grande Trail. Diz-nos que são das poucas que já repetiu e que vai continuar a repeti-las. A sua distância preferida vai para 80 ou mais quilómetros.
Como participa em poucas provas, decide aquelas em que vai participar no final do ano anterior. Como suporta todos os custos associados à prova (inscrição, viagem e alojamento) procura fazer provas diferentes em cada ano e aproveitar para conhecer locais diferentes. Este ano, já participou no Estrela Grande Trail em Maio e está inscrita no Orobie UltraTrail em Itália em Julho (140 km e 9.500 m D+) e no UTAT em Marrocos em Outubro (105 km).
Pensa correr enquanto quando puder e não tem sido muito visitada pelas lesões. Teve uma tendinite dos ísquio-tibiais em 2012 que a obrigou a parar cerca de um mês e uma entorse no ano passado, que condicionou a sua preparação para o Campeonato do Mundo disputado no Gerês.
Não dispensa os exames médicos de rotina e não tem algum tipo de cuidado com a alimentação.
3 edições, 3 triunfos no Estrela Grande Trail (EGT)
Natércia tem um carinho especial pelo EGT. “É uma prova que gosto muito e numa serra que, desde que vim para Castelo Branco, tenho conseguido conhecer um pouco melhor. O Armando Teixeira conseguiu organizar uma prova em que passamos por vários locais mágicos da Serra da Estrela, e com uma organização muito boa. Faz-me lembrar algumas provas que já fiz lá fora, com as suas grandes subidas, com o km vertical na subida do Alvoco à Torre e com partes técnicas nomeadamente a Garganta de Loriga. Este ano, achei a prova bastante mais dura – foram acrescentados 20 km à prova e mais desnível positivo e estava bastante calor. Mas o acrescento só veio tornar a prova melhor ainda – a passagem pelo Poço do Inferno – que dureza… E a subida do Sameiro já no final… Tem-me corrido bem e se puder, volto a fazer no próximo ano. Afinal, é aqui tão perto…”
Quando numa prova achou um telemóvel que era… o seu
Quanto a estórias engraçadas, conta-nos apenas uma que faz rir qualquer um que a conheça.” Numa prova nos Pirinéus em 2012, achei um telemóvel que era o meu! Tinha-o perdido e nem tinha dado conta!”