Caster Semenya, campeã olímpica nos 800 m e a indiana Dutee Chand, velocista dos 100 m têm um ponto em comum: o hiperandrogenismo, que faz com que os seus corpos produzam mais testosterona do que o normal. No final de Setembro, as duas atletas podem ter que voltar a submeter-se aos constrangedores e polémicos testes de feminilidade e, possivelmente, ser impedidas de competir com outras mulheres.
A testosterona é o principal hormónio sexual masculino e considerado um esteroide anabolizante. Atletas como Semenya e Chand produzem-no acima dos índices padrões para mulheres, o que é visto pela IAAF como uma espécie de doping involuntário. No passado, ambas tiveram que passar por testes para provar a sua feminilidade e chegaram a ser impedidas de correr. E a indiana levou então o seu caso ao Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), que suspendeu por dois anos a regra da IAAF que as proibia.
Neste período, a IAAF e a Agência Mundial Antidoping financiaram um estudo para provar que tais condições interferem diretamente nos resultados dos eventos. A pesquisa, cujos resultados foram publicados em Julho no “British Journal of Sports Medicine”, analisou os níveis de testosterona em 2127 amostras de sangue de atletas que competiram nos Mundiais de 2011 e 2013 e concluiu que havia diferença significativa em alguns eventos.
A maior margem de vantagem seria no lançamento de martelo, com 4,53%. A seguir, viriam o salto com vara (2.94%), 400 m com barreiras (2.78%), 400 m (2.73) e 800 m (1.78%), especialidade de Semenya, que procura o seu primeiro título mundial em Londres.
Tais conclusões devem ser apresentadas pela IAAF ao TAD até o fim de Setembro, e só então o Tribunal avaliará o futuro das atletas andrógenas. Por enquanto, Chand mantém-se confiante. Os seus advogados acompanham atentamente cada desdobramento do caso. Caso a IAAF prove a sua teste, as atletas podem ter que se submeter a terapias hormonais para serem aceitas nas competições.
– “Mesmo que tenham dado estes dois meses (entre a divulgação do estudo e o recurso da IAAF) é uma ameaça constante, é um medo que está sempre presente. Mas acredito nos meus advogados. Isso dá-me forças para participar nos Jogos da Commonwealth e da Ásia (ambos em 2018). Acredito que posso ir ao pódio nessas competições. Há uma tremenda pressão dos media sobre o caso. É algo que vamos ter que esperar para ver”.
Enquanto Chand não se importa de comentar o assunto, Semenya evita-o a todo custo. Já consagrada, com duas medalhas olímpicas e três em mundiais, a sul-africana prefere focar-se apenas no que faz quando está na pista.
– “Eu não tenho tempo para esse assunto. Para mim, quando você ouve uma música e ela é repetida eternamente, sempre… Tem quase nove anos, é um pouco aborrecido. Eu foco-me no futuro, não no passado”.
Chand revela que as duas atletas se conheceram pessoalmente nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Conversaram brevemente no estádio mas o tempo suficiente para a asiática se inspirar em procurar o seu direito de competir.
– “Conversei rapidamente com Semenya durante os Jogos do Rio e ela disse-me que foi desta forma que Deus nos fez, então devemos seguir correndo sem nos preocupar sobre o que vai acontecer ou sobre o que as pessoas vão pensar de nós. É assim e devemos aceitar”.
Em Londres, Chand disputou apenas as eliminatórias dos 100 m femininos. Fez 12,07 s e despediu-se nesta fase com o 38º lugar. Semenya estreou-se nos 1.500 m com uma ponta final espetacular, que lhe deu a medalha de bronze. Ontem, apurou-se para as meias-finais dos 800 m.