Boa parte dos corredores precisa de beber um café antes de começar a sua prova. Basta ver as pastelarias nas imediações do local da partida, cheios de corredores a beberem o indispensável café. Publicamos seguidamente um interessante artigo de Márcio Dederich sobre este tema.
Café e cafeína
Já foi comprovado que a quantidade de antioxidantes existente num simples café é maior que a encontrada em alimentos como banana, maçã, abacate, vinho tinto, chá verde e nozes. Consumido em larga escala, o café é hoje a principal fonte de antioxidantes na dieta de muita gente, inclusive desportistas.
Cruzando dados de nove trabalhos científicos envolvendo 200 mil pessoas, investigadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, concluíram que o consumo doseado e regular de café é capaz de prevenir a maioria dos casos do diabetes tipo 2. Conquanto nesse caso, ainda não se saiba a forma exata de como a bebida atua, a conclusão foi recentemente avalizada por cientistas da Universidade da Califórnia.
Embora as evidências apresentadas levem muitos investigadores a cogitar tratá-lo como um alimento funcional, do ponto de vista da química do sangue, o café ainda não pode ser considerado uma unanimidade absoluta. Sendo a cafeína um poderoso estimulante, não se deve beber café como se fosse água: é consenso entre especialistas que o consumo diário máximo não deve passar de meio litro (o equivalente a quatro chávenas grandes), de preferência diluídos ao longo do dia.
Cafeína e exercício físico
A cafeína talvez seja o estimulante mais usado no mundo. Rapidamente absorvida pelo organismo, atinge o seu ponto máximo no sangue entre uma e duas horas depois de ingerida. Como consegue alcançar a maioria dos tecidos, tem potencial para afetar todos os sistemas do corpo. Após o uso, a cafeína remanescente é decomposta no fígado e os subprodutos são eliminados pela urina.
Estudos laboratoriais nos anos 70 sugeriam que a cafeína melhorava o desempenho nos exercícios, aumentando a libertação de adrenalina no sangue e reduzindo dessa forma a necessidade de usar carbohidratos. Investigações mais recentes, divulgadas pelo American College of Sport Medicine, dão conta que a ingestão de 3 a 9 miligramas de cafeína por quilo de peso do atleta, uma hora antes do exercício aumenta a performance, tanto na corrida como no ciclismo de longa duração.
Já no caso das atividades de curta duração, embora sugiram que a ingestão de cafeína melhora o desempenho durante um exercício que dure aproximadamente cinco minutos, as mesmas investigações não são conclusivas especificamente em relação às corridas. Estabelecem que a ingestão de cafeína não parece melhorar o desempenho em corridas, mas julgam necessários novos testes para confirmar tal parecer.
A nutricionista Vanderli Marchiori reforça as duas teses: “Separando os corredores em fundistas e velocistas, os efeitos da cafeína são mais benéficos para os que fazem provas longas, mas dependendo da quantidade consumida, podem levar à desidratação celular e isso pode potencializar a perda de eletrólito, já comum desta atividade. Em relação ao grupo dos velocistas, pode haver aumento na vontade de urinar, atrapalhando a concentração e comprometendo o rendimento”.
Efeitos diuréticos da cafeína
Café e cafeína, são tidos frequentemente como diuréticos, sugerindo que a ingestão de grandes quantidades possa levar a uma condição pobre de hidratação, antes e durante os exercícios. Pesquisas atuais, contudo, demonstram que não só esse efeito é insignificante, como também provam que o corte dessas substâncias acaba por ser mais prejudicial ao desportista.
Enquanto a administração aguda de cafeína causa um aumento apenas modesto na produção de urina, o consumo crónico não possui qualquer efeito nesse sentido. Para Vanderli Marchiori, mesmo tendo ação diurética, a grande vantagem da cafeína como estimulante nas corridas está no facto dela ser adrenérgica: “Ela aumenta o ‘pique’ de quem consome. Além disso, há um estudo comprovando que um café curto 30 minutos antes e 30 depois da atividade física, potencializa a redução de massa gorda, o que pode ajudar o atleta”.
Cafeína e osteoporose
Denúncias iniciais levantaram a suspeita de que o consumo de cafeína pudesse ser responsável por uma maior incidência de osteoporose e fraturas em idosos. Diversas pesquisas modernas parecem ter esclarecido essa dúvida. Nalguns estudos, o risco de fratura do quadril apresenta uma modesta relação com o consumo de doses elevadas de cafeína, superiores a cinco chávenas diárias (acima de 700 ml/dia). Outros estudos concluem que não existe relação entre consumo de cálcio, leite, fósforo, proteínas, vitamina C e cafeína e fraturas do quadril.
Ainda não há consenso sobre o assunto. Alguns estudos do Nurse’s Healthy Study, da Universidade de Harvard, sugerem que mais de quatro chávenas (grandes) por dia podem de facto contribuir para a perda de massa óssea e para as fraturas de quadril. Outros trabalhos feitos com mulheres sadias que tomam quantidades menores da bebida, porém, não fazem tal associação.
Dosagem da cafeína
A cafeína é uma substância controlada pelo Comité Olímpico Internacional (COI). Concentrações superiores a 12 microgramas por mililitro de urina são consideradas ilegais. É um limite relativamente alto, permitindo que os atletas tomem quantidades normais de cafeína antes das competições. A probabilidade de atingir o limite através da ingestão normal de cafeína é mínima. Para alcançar níveis ilegais, é preciso que o atleta recorra a expedientes como comprimidos ou supositórios (ou a baldes de café).
A dose adequada para potencializar o desempenho no exercício é de 3 a 6 mg /kg, onde efeitos colaterais são minimizados e os níveis na urina são legais. Enquanto os efeitos colaterais associados com doses de até 9mg /kg não parecem ser perigosos, a ingestão de doses maiores de cafeína (10-15 mg/kg) não é nada recomendada.
Café e coração
Segundo estudos da Associação Americana do Coração, a cafeína pode acelerar o batimento cardíaco, mas essa alteração é discreta, passageira e sentida principalmente por quem não tem o hábito de tomar café. Em relação à pressão arterial, embora uma chávena de café possa elevá-la temporariamente, não há estudos provando que o hábito da bebida leve à hipertensão.
Novas descobertas a caminho
Embora reconheça que muita coisa já foi investigada e descoberta a este respeito, o próprio meio científico admite que o assunto café está longe de se esgotar. Tecnologias modernas, instrumentos sofisticados e técnicas apuradas, têm permitido novos e sistemáticos avanços. Há estudos sobre os efeitos da bebida em pessoas com doenças nas artérias. Outros, tentam comprovar a hipótese em corredores de que sob ação dos quinídeos, substâncias derivadas dos ácidos clorogénicos presentes em grande quantidade no café, o cérebro libertaria mais endorfinas, fazendo com que o maratonista, sob determinadas condições, possa render mais. Isso sem qualquer tipo de doping. Além destes dois estudos, vários outros estão em andamento.