Muita gente tem o hábito de alongar antes de iniciar uma corrida, acreditando que o alongamento é essencial para evitar lesões musculares e preparar os músculos, ligamentos e tendões para a atividade que vai fazer. Mas nos últimos anos, pesquisas mostraram que, realizado imediatamente antes de correr, não traz nenhum benefício; pelo contrário, é capaz de diminuir a potência e a força muscular.
Alongamento é a capacidade de um músculo aumentar o seu comprimento, podendo chegar até a 170% do seu tamanho original. É um recurso terapêutico muito usado, que tem a finalidade de melhorar a flexibilidade e a mobilidade muscular, o que contribui também para a melhoria da amplitude do movimento articular.
As modalidades mais utilizadas de alongamento são: estático, por facilitação neuromuscular proprioceptiva (PNF) e global.
O alongamento estático é o mais frequentemente utilizado, por ser o mais seguro e tecnicamente o mais fácil. Uma força inicialmente leve é aplicada, aumentando gradualmente, até um ponto tolerado pelo indivíduo e mantida por cerca e 30 segundos. Pode ser realizado tanto pelo próprio corredor, como por outra pessoa.
O alongamento por PNF exige a ajuda de um profissional, que deve conhecer bem a técnica. O atleta fica posicionado de tal forma que o músculo que será alongado, inicia o movimento numa posição de contração. O profissional orienta então o movimento do atleta, aplicando a resistência adequada até à posição final. Tais movimentos são bastante amplos e combinados (rotação, flexão, extensão), e geralmente resultam em uma diagonal, onde o ritmo, a amplitude de movimentos, os estímulos e a resistência devem ser muito bem empregados. Portanto, esta técnica não é muito simples, e necessita da ajuda de terceiros.
Outra técnica é o alongamento global que, realizada através de posturas específicas, permite o alongamento de vários músculos simultaneamente. É um dos recursos da Reeducação Postural Global (RPG), eficiente no tratamento dos desvios posturais e no ganho de flexibilidade.
Não há um consenso sobre qual é a técnica mais efetiva; o importante é que seja realizada e corretamente indicada. Itens como o número de repetições, frequência, tempo de duração e intensidade de tensão que deve ser aplicada ao músculo durante o alongamento, são importantes para garantir a segurança e a eficácia do método.
É importante que haja relaxamento muscular na posição alongada e o limite muscular seja respeitado. O atleta deve sentir uma leve sensação de alongamento, sem desconforto no músculo alongado.
Depois de correr, sim
Para que o corredor aproveite todos os benefícios do alongamento muscular, é recomendado que ele seja realizado após a prática desportiva, mas obrigatoriamente após um arrefecimento, pois com o corpo ainda quente, o risco de lesões é muito alto, na medida em que o músculo fica mais fácil de ser esticado. Por essa razão, aconselha-se que o atleta comece os alongamentos entre 15 a 20 minutos após o termo da corrida, seja uma prova ou um treino.
Dessa forma, o alongamento traz efeitos que podem tanto ser observados de imediato, como a importante diminuição da tensão muscular e o aumento da amplitude articular. Ou efeitos tardios, como o remodelamento adaptativo da estrutura muscular, o que implica em aumento do comprimento muscular e a renovação de colágeno para suportar maior stresse. Graças a estes benefícios tardios, alguns profissionais aconselham alongar em dias alternados aos treinos.
Pelo alto recrutamento de unidades motoras musculares, durante a atividade física de alta intensidade, como nas maratonas, alongar após a corrida é fundamental para amenizar os efeitos prejudiciais pós-exercício e é muito indicado para evitar possíveis complicações ao atleta, como por exemplo:
– Previne o encurtamento muscular
– Evita a desestabilização da postura
– Reduz a compressão das fibras nervosas
– Diminui a pressão muscular sobre as articulações
– Diminui a incidências de cãibras
– Previne o prejuízo das habilidades desportivas ocasionadas pelo treino excessivo (auxilia na coordenação motora).
Aqueça antes
Ao contrário do alongamento, o aquecimento deve ser prática obrigatória antes de treinos fortes e provas. Tal atividade é necessária para preparar o corpo para a atividade física vigorosa, através de vários mecanismos:
– Eleva a temperatura corporal, promovendo o aquecimento dos tecidos
– Possibilita um funcionamento mais dinâmico do organismo como um todo
– Melhoria do metabolismo energético
– Aumenta a elasticidade do tecido (os músculos, os tendões e os ligamentos)
– Diminui o risco de lesão
– Aumenta a produção do líquido sinovial (melhora a lubrificação das articulações)
– Melhora da eficácia do gesto desportivo, prevenindo os problemas articulares
– Contribui para o relaxamento muscular
– Maior irrigação sanguínea da musculatura a ser recrutada, promovendo melhor aporte de oxigénio
– Prepara o sistema cardiovascular e pulmonar para a atividade
– Pode aumentar o desempenho muscular de 3 a 9%
– Permite a adaptação mais rápida do corpo ao stresse do exercício
– Aumenta a velocidade do impulso nervoso
Para um efetivo aquecimento, é fundamental mobilizar grandes grupos musculares, através de um trote leve, que deve ser progressivo e gradual, sem causar fadiga, para não reduzir as reservas de energia.
O arrefecimento, que é realizado com a diminuição gradual da atividade, nos minutos finais do treino ou através de um leve trote após o término de uma prova, é tão importante quanto o aquecimento. Proporciona ideal recuperação do organismo, evitando lesões musculares e inclusive problemas cardiovasculares.
Distensão! Não alongue!
O alongamento é contraindicado em casos de distensão muscular. É uma das lesões mais comuns, principalmente entre os maratonistas. Pode ser resultado de potente contração muscular isolada, de alongamento excessivo ou alongamento simultâneo à contração muscular, geralmente durante atividades em alta velocidade.
O músculo lesionado fica mais fraco, por isso o alongamento pode repetir a lesão, o que chamamos de recidiva. Os músculos mais envolvidos são os isquiotibiais (posteriores de coxa), o reto femoral (anteriores da coxa) e gastrocnémio (gémeo).
O alongamento também não deve ser realizado em casos de fraturas ainda não consolidadas e muito cuidado em casos de instabilidade articular (lesões ligamentares), edemas graves, entre outros.
O que dizem as investigações
Nenhum estudo científico conseguiu atribuir ao alongamento muscular, realizado antes da corrida, qualquer benefício para o desempenho do corredor. Pelo contrário, mostram que, imediatamente antes do exercício, pode diminuir a capacidade de força e potência muscular e, consequentemente, o desempenho do atleta.
Os alongamentos estáticos e PNF são os que mais comprometem a força muscular. Isso é atribuído à importante redução de rigidez músculo-tendínea, o que dificulta a capacidade do músculo em gerar força. Este efeito pode ter duração de até uma hora.
A diminuição de potência muscular pós-alongamento varia de 2 a 5%. Tal razão é muito relevante para o atleta de elite, mas pode não fazer tanta diferença para os que não praticam a corrida de forma muito competitiva.
Nem mesmo como prevenção, o alongamento antes da atividade é justificável; novas evidências sugerem que não previne lesões agudas ou por excesso de treinos.
Trabalhos científicos também não apontam benefícios da prática do alongamento para aliviar a dor muscular de início tardio pós-atividade física. Tais estudos mostram que o alongamento não foi efetivo logo após a corrida ou até mesmo três dias depois. Os resultados sugeriram que o alongamento não tem qualquer efeito, nem mesmo preventivo, na manifestação da dor muscular tardia.
Claro que é habitual ver muitos corredores a alongarem antes do início das provas e que nos dirão que sempre se deram bem com tal prática. Aqui como noutras situações, cada um tem que descobrir o que é melhor para si.