A procura pela postura ideal é mais difícil do que possa parecer, e a recompensa nem sempre está no horizonte.
A ideia de que existe uma postura ideal para correr não é nova. Nos anos 70 e 80, os primeiros trabalhos mais completos descrevendo a biomecânica da corrida foram feitos, e desde aí, já se pensava na possibilidade de que o corpo ajusta-se possivelmente ao longo dos milhões de passos da carreira de um corredor, de maneira a atingir uma postura ao mesmo tempo económica e que diminua a hipótese de lesões.
Fatores determinantes
Se este processo existe, deveria ser possível criar um programa visando acelerar a obtenção desta postura ideal, através de exercícios específicos ou de feedback extensivo ao corredor, assim como é possível criar um programa de treino para acelerar o processo adaptativo cardiorrespiratório. Surgiu, assim, a procura pela identificação dos fatores que seriam os determinantes desta postura ideal, seja por melhorar o rendimento ou para diminuir lesões. Num dos estudos mais completos sobre o tema publicado em 1987, um conjunto de 31 corredores foi dividido em três grupos, baseados na sua economia de movimento (alta, média e baixa), e diversos parâmetros da mecânica de corrida foram avaliados com câmaras de alta velocidade. Apesar de haver diferenças entre os grupos, os autores foram categóricos em afirmar não existir um fator exclusivo responsável pelas diferenças em economia de movimento e, mesmo entre os parâmetros que apresentaram diferenças entre os grupos, havia muitas exceções. Por exemplo, a inclinação do tronco era ligeiramente maior no grupo mais económico, mas ao mesmo tempo alguns dos corredores mais económicos tiveram os piores valores de inclinação do tronco e vice-versa. Esta falta de um padrão levou à conclusão de que não existe uma referência contra a qual um corredor possa ser comparado e julgado, o que dificulta enormemente o trabalho dos treinadores que queiram mexer na postura de seus corredores.
Nova avaliação
Trinta anos mais tarde – apenas alguns meses atrás – um novo estudo nos mesmo moldes foi feito, desta vez com 97 corredores com níveis de performance nos 10 km entre 31 e 56 minutos. Com uma amostra muito mais heterogénea, os autores conseguiram demonstrar alguns dos conceitos clássicos da mecânica de corrida: os corredores mais económicos tenderam a apresentar três particularidades: menor oscilação vertical da pélvis durante a fase de contato com o pé no solo, menor ângulo mínimo do joelho durante o momento de contato com o solo e maior velocidade mínima da pélvis. Destes, os dois primeiros fatores estão relacionados com a rigidez da perna durante o contato com o solo: a mais “rígida” irá “dobrar” menos durante esse momento, deixando o joelho mais estendido o tempo todo e causando menos alteração da altura da pélvis (quadril). Esta maior rigidez melhora a utilização de energia elástica na passada, aumentando a sua eficiência. Já a velocidade da pélvis possui uma relação com quanto o corredor “freia” a cada passada, e é bastante intuitivo que alguém com uma velocidade mais fluida irá ser mais económico. Contudo, mesmo neste estudo mais recente, uma quantidade muito grande de exceções e a imensa diferença entre os níveis dos corredores impedem que se conclua que o corredor A ou B precisa necessariamente de trocar a sua técnica em função deste ou daquele fator. Além disso, os poucos estudos que tentaram efetivamente mudar a técnica de corredores mostram resultados pouco animadores.
Método Pose
Vejamos o exemplo de um estudo de investigadores nos Estados Unidos, que analisaram um grupo de triatletas antes e depois de 12 semanas de treino com uma hora semanal de treino no método Pose (além de uma aula inicial de três horas com o criador do método). No fim do período, conforme predito, algumas mudanças ocorreram na técnica dos corredores: as passadas ficaram um pouco mais curtas e mais frequentes para uma dada velocidade. Apesar disso, houve um aumento no consumo de oxigénio para aquele ritmo, justamente o contrário do que seria desejável! Outro estudo, também norte-americano, testou o efeito de trabalho intensivo na técnica de corredoras: durante cinco semanas, corredoras previamente identificadas como tendo uma postura deficiente passaram por três sessões semanais de treino no tapete rolante, em que eram filmadas e o vídeo de cada treino era analisado em conjunto com um treinador antes da sessão seguinte, assim como durante o treino feedback específico para corrigir os diferentes aspetos da postura. Por esta ótica, entendam-se os seguintes aspetos: flexão do tronco, posição dos braços, ângulos do pé, joelho e quadril durante a passada e fase aérea e a oscilação do centro de massa. No final do período, como no exemplo anterior, apareceram algumas diferenças na postura das corredoras, especificamente nos pontos trabalhados, porém isso não se traduziu em melhor economia de movimento ou menor sensação de esforço.
Difícil e sem resultado
A postura de um corredor é o resultado da complexa interação de diferentes fatores. Apesar de alguns “estilos” parecerem mais ou menos bonitos aos olhos, mexer no jeito de correr de alguém é uma tarefa ingrata, que com frequência parece não trazer grandes benefícios, além de ser extremamente difícil de conseguir e durar muito tempo. É importante considerar, contudo, que na literatura também existem diversos estudos de casos sobre os efeitos das mudanças na postura de corredores sobre lesões específicas, o que sugere que a resposta para a questão mexer ou não na técnica, não é simplesmente que se deve abandonar qualquer tentativa de analisar os corredores. Porém, este último tipo de análise normalmente gira em torno de outros fatores, como a rotação interna e externa do quadril, joelhos varos ou valgos e outras assimetrias corporais, e não em aspetos como posição do braço e o comprimento x frequência da passada. Existe uma grande diferença entre os dois, e neste último caso o treinador (ou possivelmente um fisioterapeuta) precisa de uma especialização mais específica para atuar com alguma propriedade, sendo que a solução para algum eventual problema não se dará por alguns gritos na beira da pista ou estrada, dizendo para o corredor dobrar os cotovelos. Estes vão pouco, além de fazer com que o corredor se sinta cuidado.