A postura é muito importante para que a corrida tenha bons frutos
Uma má postura ou músculos desequilibrados podem interferir na performance e gerar lesões. Como corredor, já parou para pensar como está a sua postura? E durante a corrida, pode imaginar qual o efeito do mau posicionamento corporal ou do desequilíbrio muscular? Para se estabelecer um bom perfil, não se repara apenas se corre com os braços de uma ou outra forma. A abordagem neste caso, refere-se ao equilíbrio das estruturas do corpo, ou seja, a relação dos músculos entre si e a influência deles sobre a posição dos ossos.
Postura é o arranjo relativo de partes do corpo. Relativo porque, por mais que se tenha estabelecido uma silhueta ideal, é muito difícil manter toda a estrutura corporal em alinhamento. Isso ocorre, sobretudo, pois durante as atividades do dia a dia, somos levados ao desequilíbrio de uma forma geral: as mesas e as cadeiras do trabalho obrigam-nos a ficar em posições inadequadas, o computador faz com que a nossa cabeça se projete para a frente, as mochilas e bolsas alteram a posição dos ombros e da coluna de crianças e adultos. Além disso, há outros fatores ligados à corrida que podem influenciar o porte do atleta, como o uso de ténis desgastados ou inadequados para o tipo de passada, sem contar os desequilíbrios musculares causados pela própria prática da modalidade que, com a repetição do gesto desportivo, faz com que alguns músculos sejam muito trabalhados e outros, pouco.
A boa postura é o equilíbrio, a harmonia na arrumação entre músculos e ossos, o que protege as estruturas de suporte do corpo contra lesões ou deformidades. Isso quer dizer que, quando temos músculos alongados e fortalecidos de forma adequada e equilibrada, as articulações estão mais protegidas, o que evita lesões.
O corredor pode ter uma alteração postural causada por maus hábitos no seu cotidiano, na própria corrida ou decorrente de lesões anteriores, mesmo que elas sejam pequenas. Essas transformações acontecem porque os músculos estão interligados pela disposição anatómica e por suas funções, um interferindo no outro, como num “efeito dominó”. Se um músculo está encurtado, provavelmente irá afetar a elasticidade daquele ao qual se conecta, o que poderá mudar, mesmo que milimetricamente, a posição de uma articulação. E essa pequena variação será suficiente para modificar toda a biomecânica articular e interferir no desempenho do atleta.
Alongamento e fortalecimento
Os músculos devem apresentar um equilíbrio entre alongamento e fortalecimento. Um músculo muito forte e pouco alongado não é eficiente, pois tem pouco espaço para contrair. Da mesma forma, o músculo muito alongado e pouco fortalecido não será suficiente, na medida em que precisa de muita energia para contrair, devido ao aumento do seu comprimento. Se um músculo trabalha sobrecarregado numa maratona (tempo prolongado), por exemplo, a tendência será gastar mais energia para a sua contração, o que levará a uma fadiga precoce e ao aumento do risco de lesão articular e dele próprio.
Força e alongamento, portanto, não são opostos, mas sim atividades que se complementam. Um músculo forte e alongado terá uma contração mais eficaz e isso vai ajudar o corredor a deslocar-se com mais habilidade e menos gasto energético. A vantagem está na energia poupada por esse equilíbrio que poderá ser usada na melhoria do tempo de corrida.
Se o encaixe de uma articulação é alterado por uma lesão ou pela má postura, o gesto desportivo irá sofrer uma mudança que nem sempre é visível. No caso da corrida, o atleta pode ter uma alteração na posição dos pés, dos joelhos, dos quadris ou da coluna que vai acentuar os desequilíbrios musculares e predispor a novas lesões. Até a pose dos ombros pode interferir na silhueta de forma geral. As compensações posturais podem acontecer em todas as direções.
Compensação é quando há uma alteração postural (seja muscular ou articular) e o corpo procura um alinhamento, o mais próximo possível da fisiologia normal. As compensações ocorrem para tentar manter o corpo em equilíbrio, com o centro de gravidade localizado entre os pés, permitindo um porte mais ereto e a harmonia nos deslocamentos durante a caminhada ou a corrida.
Como o corpo procura sempre esse equilíbrio, se o corredor já apresentar uma modificação postural juntamente com músculos muito fortes e pouco alongados, o resultado será aumento do risco de lesões e uma diminuição do desempenho desportivo, que pode incluir alteração do tempo de corrida, cansaço precoce e maior gasto energético para os músculos.
Muitas compensações ocorrem nos quilómetros finais de uma prova pelo desgaste físico, como elevação ou projeção dos ombros para a frente, além das deformações impercetíveis, como mudança na passada ou na posição do quadril e joelho. Se elas são corrigidas com o equilíbrio da musculatura durante os treinos, diminui a hipótese de aparecerem na prova.
Interferências involuntárias
Quando o assunto é a postura e as suas compensações, temos que pensar que se uma modificação desse tipo ocorrer em algum ponto do corpo, a outra parte irá sofrer as consequências para tentar manter o equilíbrio e isso poderá acontecer próximo ou distante da origem. Não existe uma regra para que isso ocorra. Uma lesão no pé ou tornozelo pode interferir na função dos músculos dos gémeos e na articulação do joelho, mas também pode, ao longo de um bom espaço de tempo, interferir na biomecânica do ombro (causando dor) devido à reação em cadeia. Tudo acontece discretamente e nem sempre se acha o “fio da meada”. Por isso é importante manter os músculos alongados e fortalecidos de forma geral.
Por causa da reação em cadeia que ocorre entre eles, um músculo muito encurtado pode mudar a posição da articulação devido à sua inserção e alterar toda a biomecânica. No caso do joelho, se temos músculos posteriores da coxa muito fortes e os anteriores fracos, a rótula irá, provavelmente, sofrer uma mudança no seu curso e passar a atritar contra o fémur, o que pode causar um desgaste de cartilagem.
Uma variação postural, seja qual for o motivo, muda a maneira de correr lenta e gradualmente, até que o corpo comece a apresentar dor ou dificuldades em realizar movimentos habituais. O corredor pode perceber um desgaste diferente dos ténis, dor ou desvios de coluna, alterações do equilíbrio e queda no rendimento.
Orientação correta
Para garantir uma prática desportiva saudável e segura, é importante ter um profissional qualificado para orientar a preparação. Ele irá avaliar o atleta e programar um treino de acordo com a estrutura corporal, capacidades e limitações observadas. Isso irá prevenir os desequilíbrios musculares, melhorar ou manter a boa postura, aperfeiçoar a condição física e a performance – e evitar lesões.
Quando o treino de corrida é orientado de forma correta, procura-se o equilíbrio entre o alongamento e o fortalecimento dos músculos, levando em consideração os mais utilizados na prática desportiva. Além disso, o trabalho tem que ser individualizado, pois cada pessoa tem uma flexibilidade e força muscular diferente.
Para evitar os desequilíbrios musculares, o ideal seria fazer, além dos treinos de corrida, atividades que trabalhem outros músculos (não só os utilizados para correr) e exercícios que funcionem como prevenção para lesões como o fortalecimento de abdómen e a manutenção dos músculos da coluna lombar e dorsal. As sessões de corrida podem ser intercaladas com natação, musculação ou Pilates, por exemplo, sem esquecer os alongamentos. Dessa forma, é possível manter a musculatura saudável e equilibrada, e as articulações protegidas de lesões. Com a melhoria da flexibilidade, as regiões articulares podem trabalhar com uma amplitude de movimento maior, melhorando a passada.
Importância dos músculos na corrida
Dois alongamentos indicados
De acordo com os últimos estudos relacionados com os alongamentos, eles não precisam de ser realizados juntamente com a corrida, ou seja, antes e/ou depois dela. É um assunto que tem gerado polémica, mas que tem uma lógica. O facto de os estudos mostrarem que o alongamento não precisa de ser feito literalmente com a corrida, não quer dizer que ele não seja necessário, podendo ser realizado num outro momento do dia do corredor. Alongar-se, sempre será importante para manter o equilíbrio da musculatura e a saúde das articulações; não há como fugir dele!
A melhor forma de alongar é de forma global, ou seja, flexibilizando toda a cadeia muscular e não apenas um grupo específico. Isso evita compensações e faz com que o alongamento seja mais eficaz.
Seguem duas sugestões de alongamentos: um para a região interna da coxa (sem forçar a coluna lombar) e outro para a cadeia muscular posterior, que é a mais difícil de alongar. Vale a pena incluí-las no seu quotidiano!
1. Alongamento de adutores (região interna da coxa) – Deite-se de barriga para cima e com os glúteos o mais próximo possível de uma parede, colocando as pernas para cima, apoiadas na parede. Mantendo o abdómen contraído o tempo todo e os joelhos esticados, afaste as pernas até sentir alongar a região interna da coxa (aproveite e dobre o seu tornozelo, trazendo os dedos na direção da “canela” para flexibilizar toda a cadeia muscular). Mantenha a posição por 20 segundos, aproxime as pernas para descansar e repita cinco vezes.
2. Alongamento da cadeia muscular posterior – Em pé, apoie as pontas dos seus pés num rolinho de uma toalha ou sobre um livro (isso vai ajudar a alongar os gémeos). Mantenha os joelhos levemente dobrados e “olhando para fora”. Vá inclinando o seu tronco para a frente dobrando o quadril, mantendo a coluna reta (alinhada) e o abdómen contraído, até sentir alongar a região posterior da coxa, do joelho ou a coluna. Os braços devem ficar ao longo do tronco. Dica para ajudar a manter a lombar e o quadril alinhados: enquanto mantém os 20 segundos do alongamento, “arrebite” o rabo, pois isso não deixa o quadril “enrolar”. Repetir cinco vezes.