Relembre o contexto de algumas grandes performances de Usain Bolt, Carl Lewis e Ben Johnson
Usain Bolt ainda não superou a barreira dos 10 segundos nesta temporada. Um dado que não o preocupa, principalmente se observar quem correu com ele nas duas corridas disputadas até agora. Sem oponentes à altura de seu potencial, o homem mais rápido do mundo não corre tão rápido quanto poderia. A história dos 100 m prova que as grandes rivalidades são o motor dos maiores nomes do atletismo na procura das melhores performances.
Em 2017, Bolt competiu apenas duas vezes até o momento. Na estreia na temporada, na sua despedida em solo jamaicano, os 100 m foram disputados em três séries distintas. Entre os inscritos, os principais concorrentes de Bolt a nível mundial, o compatriota Yohan Blake e o sul-africano Akani Simbine, estavam juntos na primeira série. Blake foi o único em todo o evento a correr na casa dos nove segundos, enquanto o africano fez 10 s. Bolt, na segunda série, fez 10,03 s, 12 centésimos menos do que o segundo colocado
Menos de três semanas depois, Bolt voltou às pistas e foi ainda mais lento. Venceu tranquilo na República Checa com 10,06, três centésimos à frente do cubano Yunier Perez – que suou muito para conquistar a melhor marca da vida.
A lógica é simples: sem um adversário do porte de seu talento, não há razão para o jamaicano se esforçar além do necessário para cruzar a linha de chegada em primeiro lugar. É prudente poupar-se diante de adversários mais fracos para ir com a força máxima contra as reais ameaças aos títulos que importam.
“Esses atletas são movidos a desafios. Quando põe um desafio maior para eles, eles têm que se superar. E nesse momento a gente vê quem é o grande atleta, quem consegue superar -se e melhorar as uas marcas” – Vitor Hugo Mourão
Vamos usar o próprio Bolt como primeiro exemplo. As duas melhores provas da vida dele foram quando teve concorrentes no ápice das suas formas.
Antes do Mundial de Berlim, em 2009, a liderança do ranking mundial na temporada pertencia a Tyson Gay (9,77 s). Aquela edição foi a última em que os atletas de ponta correram quatro vezes das eliminatórias à final. As duas primeiras eliminatórias de Bolt foram com tempos acima da casa dos 10 segundos. Nas meias finais, deu a primeira grande demonstração da sua velocidade, passando em primeiro com 9,89 s.
Na disputa pelas medalhas, os rivais deram o máximo que puderam. Quatro atletas fizeram os seus melhores tempos no ano, e Gay selou o novo recorde nacional dos EUA com 9,71 s. O desempenho histórico, no entanto, foi ofuscado pela prova mais perfeita da vida de Bolt: 9,58 s, novo recorde do campeonato, novo recorde mundial.
Três anos mais tarde, nos Jogos Olímpicos de Londres, Yohan Blake chegava disposto a destronar o compatriota. Havia interrompido uma invencibilidade de quase dois anos de Bolt ao vencer a seletiva olímpica jamaicana um mês antes e assumir o 1º lugar do ranking mundial.
Blake foi mais rápido que Bolt em todas as fases até as meias finais. Ainda conseguiu o seu melhor tempo na decisão final, assim como os americanos Justin Gatlin e Ryan Bailey, que o seguiram na terceira e quarta posições, respetivamente. O ouro, no entanto, era inquestionavelmente de Bolt. Mesmo soltando o passo no fim – motivo de bronca depois pelo seu técnico -, o jamaicano fez 9,63 s, segunda melhor marca de todos os tempos e novo recorde olímpico.
“Você pode ver o esforço quando eles correm. Eles olham para o lado e dizem: eu sou o melhor, e competem comigo tentando derrotar-me” – Bolt
No Mundial de 2015 e nos Jogos Olímpicos de 2016, o maior adversário de Bolt foi o americano Justin Gatlin. Campeão olímpico em 2004, o americano não participou do início da ascensão do jamaicano porque cumpria suspensão por doping. Mas conseguiu ser competitivo mesmo já veterano e garantiu suspense e emoção ao público que acompanhou as provas em Pequim e no Rio de Janeiro.
“O povo quer ver ação, dois titãs colidindo no topo. Quando a arma dispara, o público não sabe o que vai acontecer” – Gatlin
“Eu sou grande em termos de espírito competitivo. Eu acho que ele é assim também. São caras assim que fazem a prova dos 100 metros ser o que é.” – Bolt
Quando Bolt era bebé os “craques” da prova mais nobre do atletismo eram Carl Lewis e Ben Johnson. Nos Jogos Olímpicos de Los Angeles 1984, o americano conquistou o seu primeiro ouro olímpico e o canadiano ficou com o bronze. No ciclo olímpico de Seul 1988, Johnson vinha num ritmo pesado, que lhe dava um ligeiro favoritismo.
Até as meias finais, Lewis conseguiu tempos melhores que os de Ben Johnson. Na final, porém, o canadiano brilhou na pista e assombrou o mundo. Cruzou em primeiro com 9,79 s, um tempo impensável para a época. Era o novo recorde mundial, 14 centésimos inferior ao anterior. Só que o resultado positivo indicando o uso de esteroides tirou tanto a medalha quanto a marca do canadiano – que só viria a ser alcançada novamente 11 anos depois. A prova havia sido tão forte que o tempo de Lewis, reclassificado para o primeiro lugar, ainda assim configuraria um novo recorde mundial, 9,92 s.
“Foi uma das maiores rivalidades que já existiram no desporto. Nós tiramos o melhor um do outro” – Ben Johnson
“Se o atleta está na frente , acomoda-se, não acelera tanto. Mas tendo alguém na sua frente, ou ao seu lado, com certeza que termina mais forte. Acelera mais” – Carlos Camilo