Pouco sabemos sobre os valores pagos pelas grandes empresas patrocinadoras aos atletas de elite. A atleta norte-americana Kara Goucher escreveu um livro revelando os valores recebidos ao longo da sua carreira profissional. Eis um artigo de Sarah Lorge Butler sobre este tema.
As memórias de Kara Goucher sobre a sua carreira no atletismo profissional, The Longest Race, relata o comportamento chocante do seu treinador de longa data, Alberto Salazar, e como ela o superou. Mas um outro tema abordado no livro diz respeito ao quanto ela ganhou monetariamente na modalidade, ao longo da sua carreira.
Goucher fala abertamente sobre o seu contrato com a Nike e cachets de participação em provas, incluindo as Maratonas de Nova York e Boston e a Great North Run, no Reino Unido.
Embora os acordos sejam de dez a vinte anos atrás, eles fornecem uma visão interessante do lado comercial da gestão profissional.
É também uma olhadela rara, porque os contratos de patrocinadores são regidos por cláusulas de confidencialidade e, em muitos casos, essas cláusulas estendem-se além do prazo do contrato.
Mas Goucher decidiu revelar a informação para ser útil a outros atletas. Senti que era muito importante ter lá esses números”, disse ela. “Como saber o que pedir se não tem ideia de quanto mais alguém está a receber?”
Aqui está o que aprendemos no livro sobre os recebimentos de Goucher e do seu marido, Adam Goucher:
Em 2000, Adam Goucher tinha um recebimento base de 50 mil dólares da Fila, o seu primeiro patrocinador. No seu primeiro ano, ele correu tão bem que ganhou 185 mil dólares com bónus. Goucher escreve que o pagamento foi uma “boa sorte inesperada que a ajudou a pagar os empréstimos estudantis”.
Em 2001, Kara Goucher assinou um contrato de quatro anos com a Nike por 35 mil dólares por ano. Este foi o seu primeiro contrato profissional depois de se formar na Universidade do Colorado.
Em 2003, Adam Goucher assinou com a Nike com um salário base de 90 mil dólares por ano.
Em 2004, Goucher não fez parte da equipa olímpica. Em 2005, Kara Goucher assinou novamente com a Nike por 35 mil dólares, por mais três anos.
Em 2007, Goucher terminou em terceiro lugar no Campeonato Mundial nos 10.000 metros. (A sua medalha de bronze foi posteriormente atualizada para prata depois de uma atleta que terminou à frente de Goucher, ter falhado num teste antidoping e visto os seus resultados anulados).
Após o seu sucesso a nível mundial, marcas de sapatos concorrentes e grandes eventos manifestaram interesse em Goucher.
No outono de 2007, ela correu a Great North Run, Meia Maratona em Newcastle. O diretor da prova pagou -lhe um cachet de participação de 13 mil dólares e fez um acordo com o agente de Goucher na época, Peter Stubbs, para pagar 30 mil dólares se ela vencesse a prova. O dinheiro “não estava muito longe do salário anual com o qual vivi durante anos”, escreveu Goucher. Ela ganhou a prova.
Em fevereiro de 2008, Goucher assinou um novo contrato com a Nike que lhe pagou 325 mil dólares anuais durante quatro anos, com a opção da Nike prolongar até ao quinto ano. O contrato incluía bónus de desempenho variando entre 10.000 a 500.000 dólares por uma medalha de ouro olímpica. Também havia reduções, o que poderia cortar o seu salário. Ela teve que correr por cada ano, dez eventos aprovados pela USATF. E se ela terminasse o ano, classificada abaixo do terceiro lugar no seu evento nos Estados Unidos ou fora do top 10 mundial, a Nike poderia descontar no seu pagamento.
Goucher disse que para o seu contrato de sapatos em 2008, ela pediu ao seu agente que aceitasse uma comissão de 8% para cada ano do contrato. O padrão da indústria é de 15%. Ele concordou. Ela continuou a pagar-lhe 15% sobre os cachets de apresentação e prémios monetários. Ela também garantiu que fosse paga diretamente pela Nike e pagou depois ao seu agente. (Na maioria dos casos hoje em dia, a empresa de sapatos paga ao agente, que então paga aos atletas, porque é menos burocrático para a empresa de sapatos ter que lidar com atletas individuais.)
Em novembro de 2008, Goucher fez a sua estreia na Maratona de Nova York. Ela ganhou um cachet de participação de 175 mil dólares. A Nike também pagou os seus cachets, pagos com base na sua classificação e tempo, mas Goucher não os divulgou. Ela escreveu: “Uma boa maratona e eu poderia facilmente sair com mais do que o meu salário anual de contrato”.
Em abril de 2009, Goucher correu a Maratona de Boston, que, na época, pagava tradicionalmente aos atletas, menos em cachets de presença do que Nova York. (É também a única grande maratona nos Estados Unidos na primavera.) O seu cachet de participação foi de 80 mil dólares, mas quando ela soube que outro norte-americano, um corredor masculino, estava a ganhar 85 mil, ela pediu ao BAA (Organização da Maratona de Boston) para igualar o valor. Os organizadores da prova concordaram.
No início de 2010, Goucher soube que estava grávida do seu filho, Colt. Salazar confirmou com o executivo da Nike, John Capriotti, em nome de Goucher, que ela não sofreria uma redução no seu salário enquanto permanecesse “relevante”, escreveu ela. O primeiro dos quatro pagamentos trimestrais da Nike chegou a tempo em janeiro, assim como o segundo em abril. Mas em julho, o seu extrato bancário não tinha lá o pagamento. Nem o seu pagamento de outubro.
Tal, desencadeou uma longa batalha entre Goucher e a Nike pelo dinheiro durante a gravidez. Por fim, a Nike cortou o seu pagamento durante seis meses e prolongou o seu contrato até ao final de 2013.
Um porta-voz da Nike escreveu: “Em 2018, padronizámos a nossa abordagem em todas as modalidades para apoiar todas as nossas atletas durante a gravidez. Embora as especificidades de cada situação sejam únicas, a prática dispensava reduções de desempenho durante 12 meses. Além disso, a apólice foi ampliada em 2019 para cobrir mais seis meses, totalizando 18 meses.”
No final de 2010, o contrato de Adam Goucher com a Nike terminou. Em 2011, a USA Track & Field (USATF) disse que abandonaria o seguro de saúde de Gouchers, porque a sua classificação na maratona havia baixado durante a gravidez. Ela apelou da decisão e o Comité Olímpico dos Estados Unidos interveio, restabelecendo o seguro de saúde. Essa regra foi posteriormente alterada – atletas grávidas podem manter o seu seguro de saúde – e os corredores de hoje elogiam essa mudança.
No final de setembro de 2011, Goucher deixou o Nike Oregon Project. Ela manteve o contrato com a Nike e ficou em Portland, Oregon. Jerry Schumacher treinou-a e ela treinou com Shalane Flanagan.
No final de 2013, Goucher lutou para correr dez vezes para que a Nike não suspendesse novamente o seu pagamento. O seu contrato com a Nike terminou no final do ano, e ela e Adam venderam a sua casa em Portland e mudaram-se para Boulder, Colorado.
Em 2014, Goucher aceitou ofertas de contrato de outras empresas, embora a Nike ainda tivesse a opção de igualar qualquer oferta. A Saucony ofereceu-lhe um total de um milhão de dólares em cinco anos, com cachets e sem reduções. No final das contas, ela optou por assinar com a marca de roupas femininas Oiselle por 20 mil dólares por ano e uma participação de 2% na empresa. Ela assinou um contrato separado para sapatos com a Skechers.
Hoje, Goucher incentiva os atletas a falarem e a não terem medo de criar confusão, especialmente aqueles que recebem menos. Ela culpa o sigilo sobre o pagamento no atletismo por criar situações difíceis. É necessário concordar com a cláusula de confidencialidade nos contratos para garantir o acordo, disse ela, e em alguns casos, isso dá cobertura a empresas que pagam menos a atletas talentosos. A cláusula de confidencialidade “só prejudica o atleta e protege a marca”, disse ela. “Porque assim, eles podem continuar a pagar o mínimo possível.”
O agente Hawi Keflezighi, que nunca trabalhou com Goucher, concordou com a sua avaliação. “Acho que existem muitos maus contratos por aí, que provavelmente as marcas de sapatos teriam vergonha de admitir”, disse ele. “Existem alguns negócios realmente maus por aí que provavelmente, criariam uma reação negativa.”