Como divulgámos em devido tempo, Pedro Pichardo venceu no dia 9 deste mês, o triplo salto dos Inspiration Games, prova que substituiu o meeting de Zurique. Nessa prova original, Pichardo saltou em Lisboa, derrotando os norte-americanos Christian Taylor e Omar Craddock, que saltaram no seu país.
Pichardo deu agora uma entrevista ao jornal Benfica, conduzida pela jornalista Ana Cristina Soares, a qual, dado o seu interesse, reproduzimos na íntegra.
Como se sentiu ao participar nesta primeira prova logo após o período de confinamento?
Embora o período de confinamento pelo qual passámos tenha sido difícil, este foi um bom resultado, tendo em conta que quase ninguém conseguiu trabalhar e treinar a 100%. Saltar 17,40 metros no primeiro grande evento mundial da temporada, e no meu segundo salto, foi excelente e senti-me muito bem.
Em análise ao resultado e, na sua opinião, acha que se preparou melhor que os seus adversários para esta competição?
Não sei como correu a preparação dos meus rivais. Da minha parte, preparei-me o melhor que consegui. Treinei em Setúbal, outras vezes no Parque da Bela Vista, e também fazia corridas em casa. Fui treinando conforme fui conseguindo para me apresentar na melhor forma possível.
Como descreve a experiência inovadora, à distância e em tempo real, que foram os Inspiration Games?
Foi uma experiência muito boa porque pensei que este ano não iria decorrer a prova. A realização desta competição, sabendo que estamos a enfrentar uma pandemia mundial, foi boa, mas foi muito complicado competir à distância, numa prova em que não estivemos os três na mesma pista… E sem público nas bancadas. Este evento mais parecia um treino ou teste, porque não existiu a parte da adrenalina e da emoção. Quando estamos todos juntos, é sempre diferente.
Considera que a ausência de público nas bancadas tirou carga emocional à competição?
É muito importante e fundamental existir público nestas provas. Nós, atletas, precisamos de sentir aquele apoio extra que vem das bancadas, porque é muito importante a nível de emoções, motivações e exibições. O facto de não existir o público a apoiar, a aplaudir, a gritar, traz alguma tristeza e preocupação aos atletas. Para mim, o público é importante em todas as competições. O Benfica tem equipas e atletas em muitas modalidades desportivas, não apenas no atletismo, e tenho a certeza de que sentimos todos o mesmo. Sem público, as coisas tornam-se mais difíceis, nomeadamente no que diz respeito aos resultados. O público acaba por ser aquela multidão que vibra, sente e nos dá um extra de força. Os adeptos estão sempre presentes e apoiam-nos a 100%.
Venceu o número 1 e o número 5 do ranking mundial. Este resultado motiva-o para o Campeonato Nacional de Clubes, que se vai realizar daqui a poucas semanas?
Eu tenho a minha própria motivação. O facto de ter vencido os meus dois adversários não me faz grande diferença, porque estou sempre focado em obter bons resultados. Ainda estou à procura de atingir a melhor forma para alcançar sucessos nos Jogos Olímpicos, mundiais e europeus. Venci a prova, mas o mais importante é que quero manter-me humilde e focado no meu trabalho, e dar tudo o que tenho para dar, para ganhar. Tenho sempre fome de ganhar, e isso é que me motiva.
É visível a boa relação com os seus colegas do Benfica. Como descreve o espírito de entreajuda que se vive na equipa de atletismo?
Eu tenho uma relação muito forte com todos os meus colegas, e inclusive tenho contacto quase permanente com eles, até mesmo nas redes sociais, como é o caso de conversas privadas normais que temos no WhatsApp. Gosto de usufruir muito dos momentos em que temos a oportunidade de estar todos juntos, como irá brevemente acontecer no Campeonato Nacional de Clubes. Por exemplo, falo muito com o João das barreiras [João Vítor Oliveira] e acredito que brevemente nos vamos encontrar também pela Seleção Nacional. Ele já adquiriu nacionalidade portuguesa, e estou a dar-lhe muito apoio porque acredito que vai conseguir obter marcas para os europeus e mundiais, e até mesmo para os Jogos Olímpicos.
Está no Benfica desde 2017, e a partir dessa altura a sua carreira tem sofrido uma evolução positiva, depois de ter estado parado algum tempo. O apoio dado pelo Clube, desde então, foi fundamental para recuperar confiança e ter bons resultados?
Sem dúvida, até porque, quando cheguei ao Benfica, lembro-me de que o Clube organizou um meeting [SL Benfica Athletics Meeting, em 17 de junho de 2017, no Estádio 1.º Maio/Inatel]. Foi aí que me estreei e, na verdade, recomecei, porque serviu para me motivar. Neste momento, posso dizer que faço parte de um clube que me apoia, assim como de uma federação que acredita em mim, mas toda a gente sabe que o maior apoio que tenho é aqui, no Benfica, e é onde me mantenho forte.
O Pedro costuma ser muitas vezes abordado na rua? Quando é, o que é que lhe costumam dizer?
Sim, as pessoas reconhecem-me na rua. Algumas falam-me, dão palavras amigas, mas também já recebi alguns comentários por causa da minha prestação no Mundial do ano passado… Não é que as pessoas me critiquem nesse aspeto, mas às vezes falam comigo sobre isso e tentam puxar-me para cima, mas fora das pistas mantenho sempre a minha postura de ser humano que sou. Atleta só sou dentro das pistas.
Em que competições está a pensar, agora, e que pretensões tem para o futuro?
Temos para breve o Nacional de Clubes, onde terei a honra de voltar a vestir a camisola do Benfica. Vou dar o máximo para dar pontos à minha equipa. Quero muito melhorar e perseguir aquele sonho de bater recordes, mas o futuro neste momento é incerto, devido à pandemia que existe, e é difícil definir um calendário a 100%. Só depois da pandemia é que conseguiremos fazer planos a longo prazo. Até lá, é viver dia a dia. Todas as pessoas têm de contribuir para a saúde pública. Com a responsabilidade de todos, acredito que daqui a mais algum tempo os atletas e os adeptos poderão voltar a viver juntos, as emoções positivas do desporto!
Para concluir, o tema racismo parece ter regressado à atualidade. Como comenta algumas situações que têm sido noticiadas, o que inclusive aconteceu com o seu colega do Benfica (Ricardo dos Santos) em Inglaterra?
Há pessoas que ligam à aparência e, neste caso específico, à cor da pele. Olham para as pessoas negras e dão-lhes apelidos maus e violentos, apenas pela aparência. Por exemplo, há pouco tempo, eu estava no Centro Comercial Colombo e ia a descer as escadas juntamente com uma senhora. Essa senhora quando me viu, ficou muito surpreendida e assustada, sem motivo aparente e sem eu fazer nada que justificasse. Não foi nada de especial, mas notei que se assustou por estarmos ali sozinhos. Ainda há muita gente a olhar para a cor das pessoas, mas está na altura de existir um esforço de todas as partes para que possa haver respeito entre todos. É importante reforçar que estes comportamentos não acontecem apenas entre pessoas de aparência caucasiana para as pessoas negras, também acontece o inverso e, por vezes, abordo essa situação com amigos meus. Há pessoas negras que ficam incomodadas quando olham para uma pessoa caucasiana. Considero que somos todos iguais, independentemente da cor ou da raça. Não tem de existir distinção devido à aparência, e, na minha opinião, essas atitudes são escusadas. Felizmente, sinto que estou num País em que não considero que exista racismo e, até agora, não tenho tido problemas. Devia ser assim em todo o mundo.