Não há milagres na maratona: treine o que puder e depois corra o que treinou.
Ter uma quebra em qualquer prova é frustrante, mas na maratona, o gosto amargo na meta pode ser um pouco mais forte, mesmo que passe depois. Além dos meses de preparação e esforço, uma maratona não se faz a cada final de semana (pelo menos para a esmagadora maioria dos corredores). Se muitos querem apenas terminar a prova e não se importam de caminhar poucos ou muitos quilómetros, para outros já não é bem assim. Ver que já não ser possível fazer o tempo projetado e ainda ser forçado a trotar ou até a caminhar nos quilómetros finais, não é uma tarefa fácil! Para evitar este tipo de situações, é importante compreender o que leva o organismo a “quebrar”, para então não repetir os mesmos erros. Vamos aos tópicos principais.
Falta de treino
Em primeiro lugar, eliminamos a questão da falta de treino. Com exceção daquele seu amigo que se inscreveu nos 10 km, errou o percurso e completou a maratona, com direito a pódio na categoria, os outros 99% dos corredores precisam de treinar e bastante, para completar uma maratona.
A quantidade de treino necessária para que um corredor seja considerado apto para completar os 42 km é uma incógnita, mas pensando-se somente em completar a prova, pode-se afirmar que um corredor deveria ter um volume de treino no mínimo dos mínimos na casa de 55/60 km semanais, durante pelo menos 3/4 semanas, e realizar dois treinos de pelo menos 28/32 km, nas semanas finais de preparação.
Pode-se considerar que corredores com menos carga do que isso, estão na zona de alta probabilidade de “quebrar” durante a prova, independentemente do ritmo em que tentem correr, simplesmente porque o seu sistema locomotor não está adaptado para a carga que lhe será imposta ao longo dos 42 km.
Falta de energia
Debate-se hoje qual a fonte energética ideal para a maratona. A recomendação padrão é maximizar os stocks de glicogénio muscular, com direito a período de polimento, jantar de massas na noite anterior e boa suplementação de carbohidratos simples (30/60 g por hora) durante a prova.
A teoria é que o organismo “sente” a quantidade de glicogénio disponível, e a sensação de fadiga é influenciada, entre outros fatores, por esta disponibilidade de matéria-prima para a glicose sanguínea, responsável por manter o cérebro a funcionar.
A corrente alternativa propõe justamente o contrário: se o glicogénio é tão importante, é preciso usar o menos possível, e aí entra o treino em jejum e as dietas com pouco carbohidrato, visando ensinar o organismo a queimar mais gordura, evitando que os músculos consumam o glicogénio disponível.
Os dois campos possuem os seus adeptos, e talvez a lição mais importante seja a de que a alimentação em si, não é o determinante exclusivo da “quebra”, desde que uma das duas linhas esteja sendo seguida corretamente. Por outras palavras, não adianta transformar o organismo numa máquina de consumir massa, arroz e batata, e na semana antes da maratona resolver comer apenas saladas e carne para perder peso ou não fazer a suplementação necessária durante o evento.
Falta de ritmo
Chegamos então à questão do milagre. Se o corredor está bem treinado, se está bem alimentado, por que quebra ele então? Será que simplesmente não foi feito para correr os 42 km? Para alguns poucos, este pode ser realmente o problema, mas novamente aqui estamos falando do 1% da população no extremo oposto daquele amigo que errou o percurso. Para os corredores bem treinados e alimentados, a quebra dá-se com frequência por falta de um ritmo adequado durante a prova.
Vamos partir dos exemplos dos melhores do mundo: Mesmo estes, têm habitualmente uma quebra de cerca de 4,5% de velocidade entre a primeira e a segunda parte da prova. (Claro que há quem faça a segunda parte mais rápida que a primeira). Considerando que estes corredores correm as duas metades da prova num ritmo muito parecido (1/2% de diferença entre as duas metades), chegamos à conclusão de que o ritmo da maratona na primeira metade da prova tem que ser pelo menos 3/4% mais fraco que o ritmo atual da meia-maratona do corredor.
Por este raciocínio, por exemplo, um corredor que quer fazer menos de 3h30 na maratona, precisa de uma marca à meia-maratona na casa de 1h40 (sem isso, a marca já está fora de alcance), e no dia da prova deverá passar os 21,1 km em cerca de 1h43m30s (3,5% mais lento que a sua meia atual) e poderá fazer a segunda metade em 1h46 (quebra de 2,4%). Com uma passagem abaixo dos 1h43 na primeira metade da prova, poucos conseguirão fazer o que nem os melhores do mundo conseguem. Qual a possibilidade de funcionar? Muito pouca!
Falta de milagre
Voltamos então aos milagres: há corredores que insistem em fugir desta “regra”, e inevitavelmente quebram na segunda metade da maratona. Não porque tenham faltado treinos no sentido amplo da palavra, mas porque estão a tentar competir num ritmo para o qual não estão treinados: há corredores que acreditam que algum milagre os fará correr melhor do que poderiam esperar, baseados nos seus treinos e provas recentes.
Este milagre muitas vezes está relacionado com duas coisas: em primeiro lugar, o atleta tende a sentir-se muito bem no dia da prova, parte pelo momento do ciclo de treino e parte pela adrenalina do dia da maratona e da multidão ao redor; em segundo, o próprio medo da quebra às vezes, faz com que o corredor resolva ganhar alguns segundos no início dos 42 km.
A combinação destes dois fatores costuma resultar numa primeira meia muito rápida. Considerando que o corredor acaba de correr num tempo tão próximo da sua melhor meia-maratona, é natural que consiga correr assim mais alguns poucos quilómetros mas depois acaba por encontrar o “muro” dos quilômetros finais. As cãibras e desconfortos musculares nada mais são do que o reflexo de um corredor que correu os seus melhores 30 km e quer continuar indo em frente por mais 12. Ou seja, não é possível.