Encontrar a proporção correta entre as cargas e o repouso é a chave para o treino de sucesso
O objetivo máximo do treino físico é a melhoria da performance. Para isso, são necessários dois processos: primeiro, é preciso “agredir” ou “stressar” o organismo. Segundo, e tão ou mais importante, é preciso dar tempo para o que organismo recupere e se adapte.
Considere o seu organismo um bastão que se torna mais rígido cada vez que tenta vergá-lo. Se forçar demais, o bastão quebra. Se forçar de menos, ele não vergará e não sentirá a necessidade de tornar-se mais rígido; afinal, a sua estrutura inicial está apropriada para o stresse que ele recebe.
Estes dois conceitos são razoavelmente simples de entender: não treine demais, não treine de menos. Ainda no exemplo do bastão, também é fácil entender que terá que ser cada vez mais forte para tentar continuar vergando o bastão, conforme ele se torna cada vez mais rígido: o treino deve ser progressivo ou o processo adaptativo pára. Contudo, o que não é tão fácil de entender, é com que frequência é necessário stressar o sistema, para que ele siga uma sequência saudável de adaptação.
Não existe muita literatura sobre o intervalo necessário entre os estímulos de treino, pelo menos quando comparado ao esforço já dedicado para entender o efeito de diferentes sessões de treino. É muito mais fácil encontrar estudos comparando treino A com treino B do que testando o treino A, 3 ou 5 vezes por semana. A explicação para isso talvez esteja no facto de que treino é “fazer”, enquanto descanso é “não fazer”. Logo, é natural que as pessoas se preocupem mais em treinar do que em como “não treinar”.
Fadiga e recuperação
Um estudo interessante nesta área foi realizado por um grupo francês, há alguns anos. Seis voluntários participaram num programa de treino em ciclismo com a duração de 15 semanas, montado da seguinte forma: nas primeiras oito semanas, os voluntários treinavam três vezes por semana; a nona semana era de descanso, as semanas 10 a 13, tinham a frequência semanal aumentada para cinco treinos semanais e as últimas duas, eram novamente de descanso.
As sessões de treino eram sempre iguais: após o aquecimento, um teste máximo de cinco minutos, e depois uma sessão intervalada de 4 x 5 minutos em 85% da carga do teste máximo, com três minutos de descanso ativo. Tendo os testes máximos em cada sessão de treino, os autores conseguiram criar modelos matemáticos para descrever os ciclos de stresse e adaptação ao longo do período, e diferenciar os efeitos entre os treinos de baixa e alta frequência semanal.
A principal descoberta do estudo foi que o nível de fadiga e o tempo de recuperação necessário entre as sessões de treino, aumentaram conforme subiu a frequência semanal de treinos, apesar das sessões de treino em si serem as mesmas e de os participantes já estarem melhor treinados quando realizaram as séries com elevada frequência semanal.
Isso quer dizer que existe um efeito cumulativo de fadiga no organismo, e que uma mesma série possui “cargas” e tempos de recuperação diferentes, dependendo do contexto em que estiverem. Um treino intervalado pode precisar de dois dias de descanso em situações normais, mas de quatro dias se for realizado num dia em que já estiver cansado.
Outros estudos, aliás, mostram que a performance pode precisar de até 20 dias para se recuperar completamente de cargas extremas de treino. Além disso, outra descoberta importante do estudo foi que conforme a frequência semanal aumentou, a resposta adaptativa de cada treino diminuiu, ou seja, houve menos melhoria por treino realizado.
Neste ponto, alguém poderia dizer que isso é uma descoberta espúria, pois como se sabe, pessoas bem treinadas (ou seja, os participantes do estudo após o primeiro ciclo de treinos) levam cada vez mais tempo para melhorar cada vez menos da sua performance.
É um ponto justo, mas o estudo tentou levar isso em conta no seu modelo, e o importante é perceber o seguinte: o organismo possui uma “velocidade” de adaptação, e não é possível acelerá-la. Assim, é natural que exista uma carga ótima de treino que dê início a este processo, e doses acima dessa irão somente diluir o quanto cada treino contribui para a melhoria.
Descanso de verdade
A primeira atitude de um corredor visando melhorar a sua condição, é pensar em como treinar mais. Contudo, esta nem sempre é a resposta certa. Avaliações de treino mostram que frequências semanais entre 3/4 vezes por semana, representam a melhor relação custo-benefício em termos de saúde e rendimento. Atletas profissionais sabidamente treinam muito mais do isso!
Cada corredor deveria perguntar-se se o seu nível de performance atual está condizente com o do seu treino. Se realiza cargas dignas de corredores profissionais ou semiprofissionais, porque é que o seu rendimento está tão abaixo do deles? A resposta pode ser simplesmente porque não está dando o devido descanso ao seu organismo.
Do ponto de vista do treino, lembre-se que precisa de descansar em todas as etapas de montagem do treino: é preciso incluir dias de descanso dentro do seu ciclo semanal. Descanso mesmo, não do tipo “hoje eu não corro, mas faço natação, musculação e Pilates”.
Depois disso, entre os ciclos de treino, também é preciso descansar. Assim, por exemplo, dez dias de descanso entre ciclos de carga, podem ser fundamentais para permitir a recuperação física e mental. No estudo que referimos, ao longo das duas semanas finais de “treino”, em que os voluntários apenas descansaram, a performance seguiu melhorando, ao passo que estava estagnada ou até tinha caído um pouco nas últimas semanas de treinos muito frequentes.
Por último, dentro do seu calendário de treinos, também pode haver períodos de descanso no fim da temporada. Quando foi a última vez que tirou férias da corrida? Sabe quando começa e quando acaba a sua programação de treinos, ou simplesmente vem treinando em ritmo crescente nos últimos anos? Neste caso, sim, vale trocar, quem sabe um mês ou até dois de treino, no fim do calendário de provas, por natação, ciclismo ou qualquer outra modalidade que goste e ainda assim chamar de descanso.