Os africanos, melhores fundistas do mundo, têm as suas bases de treino no corta-mato
Os resultados dos treinos de corta-mato são fantásticos, como provam aliás, os quenianos e etíopes, que desde crianças correm pelo campo.
Os corredores com pretensão ao pódio, precisam treinar de forma intensa e com orientação profissional, enquanto para a maioria dos seres mortais, entre eles os corredores comuns, bastam que sejam bem desenvolvidas a capacidade aeróbica, a anaeróbia, a força e a velocidade. Ou seja, a capacidade de resistir por muitos quilómetros a uma velocidade satisfatória, sem se cansar e sem se lesionar.
Sabemos ainda que boa parte dos corredores, por melhores que sejam as justificações, não adota a musculação.
Por isso, o treino de corta-mato é uma outra forma de desenvolver a força, a resistência, a velocidade, a coordenação motora e mais um pouco, de forma natural. Ou seja, ao ar livre, em terreno acidentado com vários obstáculos naturais, tais como subidas com inclinações diferentes, descidas, troncos de árvores que obriguem a saltar, pequenos riachos, relva e terra batida.
A prática desportiva sem um mínimo de organização, não leva a lugar algum. Só leva a lesões
Esse tipo de treino talvez tenha sido um dos primeiros que surgiu na preparação dos corredores, se considerarmos que muito antigamente, não existiam tantas ruas asfaltadas, pistas de atletismo, tapetes rolantes e outras facilidades que temos hoje. Corria-se naturalmente pelos campos e várzeas subindo, descendo e transpondo obstáculos.
Os africanos, melhores fundistas do mundo, têm as suas bases de treino no corta-mato e não é por acaso que são campeões mundiais na modalidade. A escola portuguesa também durante bom tempo, revelou atletas com bases construídas nesse tipo de treino.
Alguns treinadores chegaram em épocas passadas, a defender o corta-mato, afirmando que o atleta nesse tipo de prova, estava pronto para qualquer outra. Sabemos que não é bem assim. Nenhum treino é perfeito por si só, embora num percurso de cross bem planeado, possamos fazer vários tipos de treino, tais como intervalado, fartleck e até os longos, controlados volta a volta.
“Caça ao coelho” em 1870
Contam os alfarrábios que o corta-mato teve origem na Inglaterra em 1870, com uma brincadeira chamada “caça ao coelho”, jogo em que os participantes ou equipas tinham de fazer um percurso pelos campos sem errar, marcado com papel deixado por uma equipa adversária, razão pela qual também era chamada de “caça ao papel”. Durante bom tempo, foi praticado principalmente pelas universidades nos seus campos de rugby.
O sucesso foi tanto que outros países aderiram até ser adaptado pela IAAF, com regras e distâncias definidas pelas categorias masculina e feminina, adulta e juvenil.
AS VALÊNCIAS FÍSICAS DO CORTA-MATO
Condição aeróbica
É a principal delas. Para correr 12 km, medidas sugerida pela IAAF para os adultos, em terreno difícil, é preciso resistência, como normalmente chamamos essa valência física. Como o percurso é marcado normalmente numa pista de 2 a 4 km, é possível fazer uma evolução de treino lento, gradual e progressivo.
Força explosiva e agilidade
Embora não seja a valência física mais importante do corredor de fundo, a potência muscular influencia no rendimento global do atleta, porque tem a ver com o sustento da velocidade final.
Como já vimos em matérias anteriores, potência e velocidade estão intimamente ligadas, uma vez que por definição, potência é igual à força x velocidade. No treino de cross, a transposição de obstáculos como troncos de árvores e pequenos riachos, que obrigam o atleta a saltar, estimula o desenvolvimento da força explosiva.
Na prática, em determinadas corridas de rua, não é raro o uso dessa valência quando o corredor tem que se desenvencilhar de pequenos obstáculos, como saltar sobre buracos, acelerar para passar na frente de alguém ou até mesmo, desviar-se de transeuntes.
Força resistente
Hoje, a maioria dos treinadores concorda com os benefícios que a corrida em rampas proporciona, principalmente no que diz respeito ao fortalecimento das pernas, usando apenas o peso do próprio corpo. Esse fortalecimento não fica restrito às pernas. Todo o sistema cardiovascular beneficia também, traduzido pelas frequências cardíacas máxima, mínima e de repouso, facilmente comprovado.
Na prática, são poucas as provas que não tenham uma ou outra rampa e que muitos atletas não reclamem delas, geralmente aqueles acostumados a treinar apenas no plano, criando uma falsa ideia de que estão bem.
Velocidade plena
Pela lei da natureza, tudo o que sobe, desce. Se por um lado, correr na descida favorece o desenvolvimento da velocidade, ritmo e equilíbrio, em contrapartida, só se deve aproveitar a descida se estiver bem preparado para isso, com um treino adequado.
Por conta do impacto muito maior que três vezes o peso corporal, correr na descida pode gerar problemas nos joelhos, gémeos e em toda a musculatura posterior da coxa, muito solicitada nessa atividade.
Por isso, as descidas no início do treino de corta-mato, que são inevitáveis porque elas já lá estão, devem ser feitas com muito cuidado, sem nenhuma preocupação de melhorar a velocidade. Suba o mais rápido possível e desça devagar.
Coordenação motora
Essa valência física é estimulada o tempo todo durante o percurso, porque é impossível correr sem olhar para o chão, sempre irregular.
No início, as hipóteses de torções de tornozelo são maiores, mas com o tempo, o corpo começa a estimular o mecanismo reflexo e o pé já não vira com tanta facilidade. Além disso, essa irregularidade do piso acaba desenvolvendo os músculos menores do pé e os profundos da perna (que ficam por baixo dos mais conhecidos e/ou entre os ossos) proporcionando mais estabilidade no gesto desportivo.
Ritmo
Esta é uma palavra que faz parte do vocabulário do corredor mas que poucos conseguem aplicar na prática. É comum no final de uma prova, os corredores comentarem que fizeram “tantos minutos por quilómetro”. Na verdade, dividem o tempo pelos quilómetros da prova mas não fizeram a média em toda a corrida. A maioria sai mais forte do que chega, exatamente porque é assim que treina. O treino moderno e que dá confiança ao atleta, é dividir a prova em três terços. Partir com certa tranquilidade, entrar no ritmo proposto no segundo terço e se possível até, aumentar no terceiro.
Como geralmente um percurso de cross é montado num traçado de 2 a 4 km, é muito fácil treinar o ritmo, fazendo passagens progressivas, mais rápidas. Além do mais, isso permite começar fraco para melhor dominar os obstáculos, escolhendo a melhor técnica de transposição de cada um.
Outro facto interessante é que, por melhor ou pior que seja o percurso no conceito de cada um, aparecem sempre um ou mais trechos interessantes, que permitem aumentar a velocidade ou que cada corredor tenha mais domínio. Ou seja, fazendo uma analogia com as corridas de carros, seriam os pontos de ultrapassagem.
Conclusões finais
Qualquer que seja o objetivo de cada um no desporto, desde o simples desejo de bem-estar e qualidade de vida, até à procura de desempenho da elite, a preparação física vem-se aperfeiçoando cada vez mais com técnicas aprimoradas. Derrubar novos recordes é cada vez mais difícil, mas são derrubados. Ao cidadão comum, as novas técnicas representam mais segurança e também é preciso fazer tudo certo e planeado. Preparamo-nos para fazer cursos, concursos, casar, divorciar, ter filhos, netos e tudo o mais. A prática desportiva sem um mínimo de organização, não leva a lugar algum. Só leva a lesões.